domingo, junho 12, 2005

Um copo de guaraná, duas xícaras de sono e sete pitadas de passado


Foto do Rio de Janeiro

Queria escrever sobre tudo que ocorreu nesta semana, mas o sono não está deixando. Foi muito legal ter participado da manifestação pedindo a realização de concurso público para contratação de professores. Fiquei emocionado em ouvir, nesta sexta-feira, o professor Ary falar no Assembléia dos professores da UEL sobre o nosso movimento. Ninguém acreditava, e, no entanto, todo viu que alcançamos patamares nunca pensados. O governador Requião ficou sabendo do barulho que fizemos em Londrina e parece que no final do ano ele vai abrir concurso público. Enquanto isso não ocorre, estaremos lapidando nossas idéias e argumentações a fim de organizarmos algo maior, com mais representatividade e força. Parece mentira, mas alguns alunos descontentes fizeram um puta barulho com cobertura da mídia e deu no que deu.
Fora isso tudo, eu ainda ganhei uma cesta de café da manhã na rifa de formatura da minha sala. Será que é um sinal divino? Uma intervenção divina? As coisas estão melhorando? Acho que não.

DISCUSSÃO TEMÁTICA: ASSENTAMENTOS (eu e o Fernando fizemos este trabalho no ano passado)

“o espaço é como ar que se respira. Sabemos que sem o ar morremos, mas não vemos nem sentimos a atmosfera que nos nutre de força e vida”
Roberto DaMatta

Esta análise tem o intuito de averiguar se o objeto Vila Marízia, na condição de assentamento, possui coerência frente às teorias relacionadas ao tema. A termologia assentamento será aproximada do conceito de favela, pois, utilizando-se da perspectiva de Leeds evidencia-se que, favela caracteriza-se por ser um terreno invadido a princípio ilegal. Tal perspectiva é compreendida na seguinte citação: “o único critério uniforme que distingue as áreas invadidas dos outros tipos de moradias da cidade é o fato de constituírem uma ocupação ‘ilegal’ da terra, já que sua ocupação não se baseia nem na propriedade da terra nem em seu aluguel aos proprietários legais”. (p.22).
A fim de compreender o micro universo referente ao termo favela, deve-se ter como cerne à não aleatoriedade do fato em si. Sendo o arranjo espacial construído coletivamente, não é possível justificar a natureza do problema utilizando-se de perspectivas eufemisticas que acabam por naturalizar e eternizar o problema. Concepções como as de William Mangin e de John Turner ilustram tal abordagem. Estes caracterizam a favela como uma solução e não como um problema, salientando sua funcionabilidade, envolvendo aspectos tais como: localização, isenção de aluguel, economia de gastos com transporte, criatividade arquitetônica, localidade bucólica e etc. Ainda a aqueles que especulam sobre a inserção de conceitos como o de verticalização sendo uma solução para o problema de super população nas periferias.
Contrapondo-se a tais ilusões teóricas, e, desta forma, assumindo as favelas como problema, deve-se determinar a origem das mesmas. Podemos dizer que o capitalismo criou uma espécie de fator propicio para o gênese das favelas.No Brasil a industrialização se deu de forma paulatina frente ao resto do paises desenvolvidos. Esta razão fundamenta-se por diversos fatores históricos estruturais dos quais não vamos nos ater no trabalho.
Já em Londrina o fator preponderante para formação de favelas, não foi decorrente ao processo de industrialização, pois a região é considerada pólo agrícola e grande prestadora de serviços.
As favelas de Londrina tem sua origem majoritariamente relacionada ao êxodo rural. As principais causas que demonstram essa evasão rural foram: a depredação continua e indiscriminada dos recursos naturais, o esgotamento das terras virgens ou cultiváveis, as intensas geadas e a gradativa mudança do uso do solo por meio da automação. Contudo não podemos deixar de analisar o fator onírico das melhorias de vida tão fantasiadas pelo imaginário urbano quanto a vinda as cidades. Estes fatores modificaram profundamente as relações de produção e de trabalho no meio agrícola.
A favela Vila Marízia está localizada a margem do Córrego Bom Retiro. Apesar de não haver documentação precisa sobre a origem exata, pode-se afirmar que tal espaço teve seu reconhecimento devido ao seu crescimento na década de 70. Nesta década a favela foi ocupada por poucas famílias, sendo que, a maioria destas eram trabalhadores de um frigorífico instalado nas redondezas.
Seguindo informações da COHAB, o espaço era propriedade do poder público e parte de alguns particulares. Tratando-se de uma invasão, é importante analisar que ocorreu um processo de apropriação. Este, foi mediado pelos primeiros moradores, configurando os mesmos como proprietários de tal apropriação. Esta conduta simplesmente reflete a hegemonia da lógica capitalista frente a qualquer outra possibilidade quanto à abordagem de determinada propriedade. Cabe a ressalva que a legitimidade desta apropriação se dá a princípio, unicamente pela força dos invasores. Tal concepção é ilustrada pela lógica de consumo destas propriedades, onde o preço do barraco em si ou até mesmo sua localidade é desprezível frente à condição de proprietário. Que se torna tão superior devido ao ambiente inóspito que o cerca. Desta forma, a garantia de posse concedida aos velhos moradores pelos novos, consolida um sistema onde a concessão do direito à propriedade é retirada da mão do Estado para residir-se na mão de particulares. Portanto, ocorre à substituição do poder coercitivo do Estado manifestado na figura “performática” da força policial. Contudo, não é possível afirmar que haja a formação de um poder paralelo, pois tomando o sistema capitalista como hegemônico não podemos desvincular realidades do mesmo.
Percebe-se que a localidade espacial da Vila Marízia configura-se como importante ícone geográfico a fim de demonstrar as grandes contradições do sistema capitalista. Sua proximidade com o Centro ilustra um interessante paradoxo entre o legitimado, estético, organizado e respeitável versus o clandestino, rudimentar, desconexo e intolerável. Entretanto, ambos fazem parte do mesmo sistema. Sistema este absoluto, redutor de toda forma de pensamento ao uma logística que prega o ímpeto acumulativo. Poderíamos tecer inúmeras falas sobre esse tema, utilizando-nos unicamente do discurso do líder da comunidade. Contudo, divagações quanto à hegemonia do sistema cultural capitalista, mesmo sendo importante para o arranjo espacial encontrado em Vila Marízia, não nos cabe analisar, pois, estaríamos expandindo em última instância a proposta objetiva deste trabalho.


Considerações finais sobre a temática escolhida

Podemos concluir que a Vila Marízia, em termos gerais, ajusta-se as características fundamentais do conceito de favela. Tal conclusão tem sua importância, pois, mesmo que consolidado no imaginário urbano tal localidade como sendo uma favela, é necessário, aos pesquisadores sociais, analisar o objeto em si, separando o mesmo das toxidades ideológicas do pensamento coletivo.
Em termos leigos, uma moradia precária pode ser tida como uma favela. Contudo, como anteriormente explicitado, não é esse o fator que a qualifica como tal. A essência do conceito favela é o da invasão. Uma afronta ao cerne do fator utilitário do Estado moderno, que seria o de acima de tudo garantir a propriedade privada. Tais argumentos ideológicos, como a de garantir o direito a vida perdem seu referencial de acordo com a realidade, no instante em que se constata pessoas sofrendo de inúmeros males, esquecidos pelo Estado, quando este deve atender principalmente aos interesses dos grandes proprietários.

Bibliografia:

ABREU, M. A. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do Rio de Janeiro. In: Espaço e Debates. Vol 14. n 37. 1994.
LEFEBVRE, H. Direito à Cidade.Centauro Editora. Segunda Edição. 2001
LIRA, J.T.C. A romantização e a erradicação do mocambo, ou de como a casa popular ganha nome. Recife, década de 1930. In: Espaço e Debates. Vol 14. n 37. 1994.
OGAMA, M. A. G. Favela Vila Marízia: sua população e seus problemas. UEL. 1993.
VALLADARES, L. P. Repensando a habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar. Segunda Edição. 1982.
TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da Pobreza: Alternativas de Moradia Popular em São Paulo. São Paulo: FAUUSP. 1982.

RELATÓRIO DO TRABALHO DE CAMPO 06/11/2004

Leonardo de Lucas Domingues
Fernando Barreto

Saímos da antiga Estação de trem de Londrina, o atual Museu Histórico de Londrina por volta das 8 da manhã. O primeiro lugar que fomos visitar foi a Vila Marízia. Lá nos deparamos com algumas moradias precárias que se encontram no local. Houve uma breve discussão a cerca dos assentamentos irregulares, sobre os locais onde a sua localização é mais freqüente e sobre as relações sociais que giram em torno desta realidade. A região da Vila Marízia fica bem próxima da área central da cidade, ela fica perto da avenida Brasília, e também próxima à avenida Dez de dezembro.
Lá existem casas de alvenaria, que eram antigos barracos e que também possuem rede de esgoto e elétrica. Mas, ainda existem alguns barracos que estão sendo alojados em outros pontos da cidade, como o próprio líder local nos contou. Este mesmo chefe de bairro nos contou muito sobre a realidade local, e também contou estórias de sua vida. Mostrava-se muito envolvido com as causas locais e também disse ser muito respeitado por onde ele andava. Estava ao lado de um carro velho que dizia ser seu modo de locomoção. Por seu discurso fica no ar algum questionamento que poderíamos fazer sobre a existência de um código civil interno dentro da comunidade. A ausência do poder público o coloca encorajado a transgredir leis dos códigos sociais da cidade como: não portar documento do carro, nem carteira de motorista e também andar armado. Outra evidência do descaso público são as constantes mortes no fundo de vale que se encontra em frente às moradias.
Outras pessoas da comunidade fizeram questionamentos quanto a administração do atual prefeito e a grande maioria preferia a gestão do antigo prefeito Belinati. Alguns disseram que Belinati foi o único candidato que visitou a região no processo eleitoral. A abordagem singular que ele tem quanto às comunidades mais pobres da cidade mostra o seu favorecimento quanto aos outros candidatos, e também uma série de outros fatores que não se faz necessário uma explanação mais detalhada. Mas, um fato inegável é a “onipresença” de Belinati por quase todos os bairros mais carentes que visitamos.
Logo depois de visitarmos a Vila Marízia fomos à região que é popularmente conhecida por Cinco Conjuntos. Paramos num ponto onde dava para ver a verticalização do centro da cidade e também a distância dele para os conjuntos habitacionais.
A região é muito extensa e populosa, lá moram cerca de 100 mil habitantes. Apesar de serem conjuntos habitacionais, as casas não apresentam uma padronização. Com o passar do tempo todas as casas foram modificando sua estrutura. Foi construída na gestão de Antônio Belinati, e fica a oito quilômetros do centro da cidade. Para ser efetuada necessitou-se do estabelecimento de uma estrutura local para poder abrigar todas estas pessoas. Foram construídas vias de transporte, indústrias para a mão de obra local, rede elétrica e formou-se ali um sub-centro. Dentre o Centro e os Cinco conjuntos ficou uma faixa inabitada, com chácaras e terrenos vazios. Estes espaços foram se valorizando conforme o desenvolvimento da cidade, hoje já há uma grande procura por esses lotes e a área se encontra bem povoada. Prosseguindo a viajem, demos uma volta na região pela avenida Saul Elkind. Lá existem quase todas as lojas da região central da cidade.
A próxima parada foi o Jardim São Jorge (também na região norte). Ele se encontra bem distante do centro da cidade (o caminho para chegar até foi feito em estrada de terra). A região era da CODEL, Companhia de Desenvolvimento de Londrina e foi ocupada pelos atuais moradores. O jardim é considerado um assentamento urbano, termo que foi criado pelo prefeito Antônio Belinati como uma forma de conquistar votos da população assentada. As famílias que lá se encontram foram retiradas de áreas consideradas ilegais de ocupação, ou por outros motivos. Atualmente o bairro foi asfaltado e tem rede elétrica, está longe das condições precárias que se encontrava quando foi constituído.
Ao lado do Jardim São Jorge encontra-se uma ocupação recente que não é no terreno da prefeitura, e sim num terreno particular. A comunidade que está sendo formada neste terreno está crescendo num ritmo bastante acelerado e desordenado. As moradias são barracos e não casas populares como no caso da maioria das habitações do jardim São Jorge.
Como foi debatido no local e ressaltado pelo professor Willian. Favelas e assentamentos urbanos são formas de construção do espaço urbano que não seguem as lógicas das empresas capitalistas de incorporação imobiliária. Portanto, ela é uma forma de resistência à opressão e uma tentativa de reverter a lógica da propriedade privada, que é o bem máximo do modo capitalista de produção, não se adequando a lógica especulativa do mercado imobiliário.
Logo depois de visitarmos o jardim São Jorge fomos em direção a região sul, que é completamente distinta da região norte. Pelo caminho paramos no lago Igapó e também observamos que a verticalização no local é bem intensa. Mas isso só se deve, como foi discutido, pela presença de uma estrutura de consumo para a classe média alta na região. O estabelecimento de centros de compras e de áreas de laser foi fundamental para a valorização dos lotes perto do lago. Foi também discutida a relação da natureza no espaço urbano. Antigamente a natureza era considerada inóspita e selvagem, por isso era necessário “limpar” a área verde para construir. Hoje ela é tratada como um benefício ao desenvolvimento humano, como um laser paisagístico de uma natureza “montada” para atender a qualidade de vida.
Perto do lago encontram-se também algumas residências da classe média alta, uma das margens do lago 1 é tomada por essas casas. De lá esses moradores aproveitam o benefício de desfrutar as qualidades do lago.
Logo após esta discussão, fomos a região onde se encontram os condomínios fechados. Eles ficam localizados perto do Shopping Catuaí, e como os conjuntos habitacionais da zona norte, ficam afastados da região central.
O shopping foi montado também na gestão de Belinati, e ele movimenta uma circulação muito grande de mercadorias e de pessoas de toda região do norte do Paraná. Ele forma um não-espaço, uma representação de um espaço. Os shoppings atuais têm variadas formas de representação da vida urbana, dentro de um shopping tem miniaturas de cidades importantes, representações de estabelecimentos comerciais e outras estruturas que se apresentam somente de “fachada”. Eles são os templos do consumo e estão mais do que alinhados as lógicas capitalistas. Neles, a desigualdade latente que se encontra nas ruas e nos faróis de trânsito não é visível. Há uma seleção entre quem pode freqüentar o shopping, uma seleção de consumo. Dentro destes locais dificilmente alguém encontra um pedinte ou algum outro indivíduo menos favorecido economicamente. O shopping não é um espaço público, muito menos democrático, lá não se encontra diversidade, somente uma padronização estética, cultural e econômica das pessoas que freqüentam o local.
Já os condomínios fechados, eles são fechados, mas por dentro deles passam ruas públicas. È uma utilização privada de um bem público, não há como entrar em um condomínio fechado se não for morador ou não for convidado. Dentro destes condomínios existe uma outra realidade. Lá a questão da segurança é tratada de forma privada, e não uma obrigação do Estado. A polícia não entra lê sem autorização e como a segurança não é feita por policiais ela fica por conta de empregados, os seguranças. Como o segurança é um funcionário do condomínio fica difícil estabelecer normas de ordem legal. Os filhos dos moradores crescem sem ter noção de espaço público e de respeito as leis vigentes. Dentro dos condomínios eles fazem o que querem e se algum funcionário questionar é mandado embora e logo depois aparece outro para substituí-lo.
O estabelecimento destes espaços geográficos, como os outros citados neste relatório, é acarretado pelo contexto histórico e pela construção histórica destes espaços. Tudo dentro de um espaço, social ou privado, está previamente delineado a favorecer ao interesse dos mais poderosos. O arranjo espacial é conseqüência do modo de produção desigual e ele é uma reprodução das nossas relações sociais.
Portanto, a estruturação do espaço urbano de Londrina, segue aos interesses do modo de produção capitalista e reforça a diferenciação entre as classes sociais através da segmentação sócio-espacial urbana. Esta segmentação é construída por diferentes agentes produtores do espaço urbano, com diferentes interesses e condutas.

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