quinta-feira, novembro 24, 2011

O documentário sobre Florestan Fernandes

STEFANELLI, Roberto Reis (direção, edição e pesquisa). Filme Florestan Fernandes: o mestre. Documentário, TV Câmara, fevereiro de 2004,

Florestan Fernandes ingressou aos 18 anos, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947, formando-se em ciências sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre docente e professor titular na cadeira de sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra. O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e professor universitário com mais de cinqüenta obras publicadas, transformou as ciências sociais no Brasil e estabeleceu um novo estilo de pensamento. Foi mestre de sociólogos renomados, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Cassado com base no AI-5, em 1969, deixou o país e lecionou nas universidades de Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Yale (EUA). Retornou ao Brasil em 1972 e passou a lecionar na PUC-SP. Não procurou reintegra-se à USP, da qual recebeu o título de professor emérito em dezembro de 1985. Em 1986 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) sendo um de seus fundadores. Pelo PT exerceu dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991-1995). Faleceu em São Paulo no dia 10 de agosto de 1995.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Depressão, business e a monotonia do tempo

Analisar o aumento significativo das depressões como sintoma do mal-estar social no século XXI significa dizer que o sofrimento dos depressivos funciona como sinal de alarme contra aquilo que faz água na grande nau da sociedade maniáca em que vivemos. Que muitas vezes as simples manifestações de tristeza sejam entendidas (e medicadas) como depressões graves só faz confirmar essa ideia. A tristeza, os desânimos, os simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado.
Do direito à saúde e à alegria passamos à obrigação de ser felizes, escreve Danièle Silvestre. A tristeza é vista como uma deformidade, um defeito moral, "cuja redução química é confiada ao médico ou ao psi". Ao patologizar a tristeza, perde-se um importante saber sobre a dor de viver. Aos que sofreram o abalo de uma morte importante, de uma doença, de um acidente grave, a medicalização da tristeza ou do luto rouba ao sujeito o tempo necessário para superar o abalo e construir novas referências, e até mesmo outras formas de vida, mais compatíveis com a perda ou com a eventual incapacitação.
(...)
Em muitos debates de que tenho participado, colegas psiquiatras têm apontado um elemento importante que pode falsear os números sobre o aumento das depressões nos países industrializados: as novas estratégias de venda dos laboratórios farmacêuticos já não se limitam à divulgação dos remédios lançados no mercado. A ênfase dos panfletos distribuídos nos consultórios de médicos e psiquiatras recai sobre os novos critérios de diagnóstico das depressões, de modo a incluir um número crescente de manifestações de tristeza, luto, irritabilidade e outras expressões de conflito subjetivo entre os "transtornos" indicativos de depressão a serem tratados por emprego de medicamentos.
Assistimos, assim, a uma patologização generalizada da vida subjetiva, sujo efeito paradoxal é a produção de um horizonte cada vez mais depressivo. Embora o aperfeiçoamento das novas medicações ofereça um auxílio precioso ao analista no tratamento das depressões, a psicanálise não pode nem deve ser excluída dessa abordagem. Onde quer que se encontre o sujeito, encolhido pela depressão, é lá que o analista deve ir buscar a expressão significante de seu sofrimento. Não importa quanto ele demore até ter vontade ou forças para dirigir a palavra ao analista. O projeto pseudocientífico de subtrair o sujeito - sujeito de desejo, de conflito, de dor, de falta - a fim de proporcionar ao cliente uma vida sem perturbações acaba por produzir exatamente o contrário: vidas vazias de sentido, de criatividade e de valor. Vidas em que a exclusão medicamentosa das expressões da dor de viver acaba por inibir, ou tornar supérflua, a riqueza do trabalho psíquico - o único capaz de tornar suportável e conferir algum sentido à dor inevitável diante da finitude, do desamparo, da solidão humana.
"a maior parte dos lucros da indústria farmacêutica depende de uns poucos remédios para os quais sempre se buscam novos usos. Se tais novos usos não surgem por meio de experimentos, recorre-se à publicidade de certos males - ou seja, a convencer as massas de que alguns estados de ânimo são, na verdade, doenças que requerem tratamento. O objetivo é criar demanda espontânea pela cura milagrosa que a empresa pode oferecer" (Frederick Crews)
À aparente eficiência dos tratamentos medicamentosos soma-se a paixão pela segurança que caracteriza a sociedade contemporânea, para a qual a ideia de que a vida seja um percurso pontuado por riscos inevitáveis produz uma espécie de escândalo. A aliança entre os ideais de precisão científica e de eficiência econômica produz uma versão fantasiosa da vida humana como um investimento no mercado de futuros, cujo sentido depende de se conseguir garantir, de antemão, os ganhos que tal investimento deverá render.
Maria Rita Kehl. O tempo e o cão.

terça-feira, novembro 08, 2011

Impressões de um jovem 'burguês'

Um dia andei por Manchester com um destes cavalheiros da classe média. Falei-lhe das desgraçadas favelas insalubres e chamei-lhe a atenção para a repulsiva condição daquela parte da cidade em que moravam os trabalhadores fabris. Declarei nunca ter visto uma cidade tão mal construída em minha vida. Ele ouviu-me pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou: "E ainda assim, ganham-se fortunas aqui. Bom dia, senhor!"
Friedrich Engels (1820-1895). A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Os "dez bons livros" de Freud

Em 1° de novembro de 1906, Sigmund Freud respondeu a uma carta do editor e livreiro Hugo Heller. Heller (1870-1923) era proprietário de uma livraria vienense, ponto de encontro de artistas e intelectuais. Em sua carta, enviada a diversos escritores, artistas e cientistas, Heller solicitava que o destinatário indicasse “dez bons livros”.
Freud respondeu o seguinte:
“O sr. deseja que eu lhe indique “dez bons livros”, e recusa-se a acrescentar uma palavra de explicações. Com isso, o sr. me encarrega não apenas de escolher os livros, mas de interpretar seu pedido. Habituado a prestar atenção a pequenos indícios, devo ater-me à formulação literal de sua enigmática pergunta. O sr. não disse “as dez maiores obras da literatura mundial”, caso em que, como tanto outros, eu teria que responder com Homero, com as tragédias de Sófocles, com o Fausto de Goethe, com o Hamlet de Shakespeare, com MacBeth etc. Não se trata, tampouco, dos dez livros mais significativos, entre os quais teriam que figurar os trabalhos científicos de Copérnico, do velho médico Johann Weier, sobre a feitiçaria, de Darwin, sobre a origem do homem, e muitos outros. O sr. não indagou sequer sobre os meus livros favoritos, entre os quais eu não teria esquecido o Paradise Lost de Milton e o Lazarus de Heine. A meu ver, seu texto põe um acento especial na palavra bons, e com esse predicado o sr. quer caracterizar os livros com que nos relacionamos do mesmo modo que com bons amigos, aos quais devemos algo do nosso conhecimento da vida e da nossa concepção do mundo, cujo contato nos proporcionou prazer, e que elogiamos diante de outros, sem que essa relação suscite um temor reverencial, uma sensação da própria insignificância diante da grandeza alheia. Indico-lhe portanto esses “bons livros”, que me vieram à mente sem muita reflexão.

Multatuli: Cartas e obras
Kipling: O livro da jângal
Anatole France: Sobre a pedra branca
Zola: Fecundidade
Merejkovski: Leonardo da Vinci
Gottfried Keller: A gente de Seldwyla
Conrad Ferdinand Meyer: Os últimos dias de Hutten
Macauley: Ensaios
Gomperz: Pensadores gregos
Mark Twain: Esboços


Não sei o que o sr. pensa fazer com essa lista. A mim mesmo, ela me parece estranha, a tal ponto que não posso abandoná-la sem acrescentar meus comentários. Não quero examinar por que esses e não outros “bons” livros, mas apenas esclarecer a relação entre o autor e sua obra. Nem sempre essa relação é tão óbvia como a que existe entre Kipling e Jungle Books, por exemplo. Na maioria dos casos, eu teria podido selecionar outra obra do mesmo autor, como por exemplo o Docteur Pascal, de Zola. O mesmo homem que nos presenteou com um bom livro muitas vezes nos deu também de presente vários bons livros. No caso de Multatuli, sinto-me impossibilitado de dar preferência a Cartas de amor em detrimento das cartas particulares, ou vice-versa, e por isso escrevi: Cartas e obras. Excluíram-se obras essencialmente literárias, de valor puramente poético, talvez porque seu pedido – bons livros – não parecesse referir-se diretamente a tais obras. Assim, no caso de Hutten, de C.F. Meyer, o “bom” prevaleceu sobre o “belo”, a “edificação” sobre o prazer estético.
Ao solicitar-me que indicasse “dez bons livros”, o sr. tocou num ponto sobre o qual muitíssimas coisas poderiam ser ditas. Termino, pois, para não ficar ainda mais loquaz.


Sigmund Freud”

Extraído do livro Os dez amigos de Freud, de Sergio Paulo Rouanet - Companhia das Letras - São Paulo, 2003.