sexta-feira, dezembro 03, 2010

traiter les faits sociaux scientifiquement?

Un espirit cultivé aime mieux ne pas vivre que de recononcer aux joies de l'intelligence.
Émile Durkheim. Éducation et sociologie. Paris: Presses Universitaires de France, 1973, p. 43.

quarta-feira, setembro 15, 2010

O "espírito", por Sombart


Na alma do empresário, a conseqüência de um excesso de trabalho, e especialmente pela ocupação na questão de negócios que não lhe deixa tempo para outra coisa, todos os demais interesses esfumam-se; natureza, arte, literatura, estado, amigos, família, não podem exercer já nenhuma sedução sobre ele, que conseqüentemente sente-se possuído de um insuportável sentimento de tédio e de desolação no instante em que abandona o mundo dos números, que lhe dá apoio, calor e vida. Nesse mundo dos negócios, pelo contrário, encontra tudo o que lhe renova, lhe dá ânimo, lhe faz feliz; tem a sensação de encontrar ali sua verdadeira pátria, a força da juventude que lhe cria novas forças, o manancial que lhe dá nova vida quando está sedento. Não tem nada de estranho que finalmente acabe consagrando seu amor a esse mundo.

Werner Sombart (1863-1941). El apogeo del capitalismo

quarta-feira, agosto 25, 2010

A Dialética das Luzes americana


As esperanças da espécie humana parecem hoje mais distantes de serem realizadas do que mesmo nas épocas ainda tateantes em que primeiro foram formuladas pelos humanistas. Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação de massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram aparentemente uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a idéia de homem.


Max Horkheimer, Eclipse da Razão

quarta-feira, agosto 18, 2010

A história

A história tira ainda mais daqueles que
tudo perderam e dá ainda mais àqueles que tudo
tomaram. A história nunca confessa.
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)

quarta-feira, julho 21, 2010

Enigmas do conceito

"Há um engodo presente em todo ato de definir: através do conceito é fixado algo a respeito da coisa que facilita seu manejo, por isso nem sujeito nem objeto podem ser reduzidos à sua definição, há sempre algo que fica de fora. Definir é delimitar, impor limites à coisa para que se torne assimilável conceitualmente. O conceito é necessário, mas não se deve pensá-lo como o espaço dentro do qual tudo se encaixará e aparecerá de modo claro à compreensão. A pretensão de definição de subsumir em si um objeto deve cessar para garantir sua própria validade. Até porque, como bem nota Adorno, em Terminologia filosófica, o procedimento da definição não é suficiente à filosofia, já que os próprios conceitos modificam-se (Adorno, 1973d, p.9). Graças à dialética, o conceito é possível, sem decidir-se por uma rigidez parcial que acabe, por ver a verdade apenas no particular ou apenas no universal. Se a questão não é eliminar a definição - pois, mesmo sendo falta de liberdade, ela é necessária ao pensar - deve-se propô-la de modo dialético"
(TIBURI, Márcia. Metamorfoses do conceito: ética e dialética negativa em Theodor Adorno. UFRGS, 2005, p. 122).

quarta-feira, junho 30, 2010

Fragen eines lesenden Arbeiter

De Benjamin para Brecht:

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída -
Quem a reconstruiu várias vezes? [...]
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os césares? [...]
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.

Passagem de Benjamin muito parecida com um poema de Brecht. Extraído de LÖWY, M. Walter Benjamin: avertissement d'incendie. Tradução de Wanda Nogueira Brant.

quarta-feira, junho 23, 2010

A liberdade de seguir o estouro da boiada


Nenhum domador jamais teve tanto poder sobre seus animais. Solta-se o povo como massa leitora, e este corre pelas ruas, lançando-se sobre o alvo indicado, quebrando janelas e ameaçando. Um leve aceno com o chicote da imprensa, e a massa se acalma e volta para casa. A imprensa é hoje um exército com tropas cuidadosamente organizadas, que têm jornalistas como oficiais e leitores soldados. A situação é a mesma em qualquer exército: o soldado obedece cegamente, e as modificações nos objetivos de guerra e nos planos de operação são feitas sem o seu conhecimento. O leitor nada sabe do que se pretende com ele, e nem deve saber, nem mesmo o papel que desempenha nisso tudo. Não existe sátira mais terrível da liberdade de pensamento. Antigamente não se podia ousar pensar livremente; a gora isto é permitido, mas não se consegue fazê-lo. As pessoas desejam pensar apenas o que se deseja que elas pensem, e exatamente isso é sentido como liberdade
Oswald Spengler (1880 - 1936)

sexta-feira, maio 21, 2010

Notas sobre a centralidade do trabalho (uma categoria em vias de extinção?)



No contexto da crise de lucratividade do sistema capitalista e do declínio do Estado de bem-estar social (que trazia garantias e conquistas dos trabalhadores) nas potências ocidentais, várias foram as teorias que, em meio a transformações sociais, tecnológicas e políticas, empenharam-se em reavaliar o papel do trabalho na sociedade capitalista. De um lado, as mudanças no ambiente produtivo (entre as forças produtivas e as relações de produção) suscitaram o aparecimento de novas questões sobre a centralidade do papel do trabalho na produção, na sociedade e na construção de identidades. De outro, tais modificações estariam significando um momento de transição para um novo paradigma societal, sustentado por outros pilares de estruturação (pós-moderna, pós-industrial, informacional, entre outras).
A crise engendrou uma reestruturação produtiva que incluiu formas diferenciadas de se produzir e organizar o trabalho, numa conjuntura de fragmentação e fragilização do movimento sindical. Constatou-se a redução do trabalho assalariado (principalmente na indústria), o crescimento de atividades em serviços, a expansão de formas atípicas de inserção, e a ampliação do desemprego em patamares elevados.
Grande parte da produção teórica desse período destaca um conjunto de constatações acerca de transformações que se intensificaram nas últimas décadas. Um aspecto predominaria dentre as novas tendências: o trabalho estaria em crise, e não seria mais a categoria fundante das relações sociais e da construção identitária dos indivíduos.
Inserem-se com significativo impacto nesse quadro teórico as idéias de fim do trabalho e de sua centralidade como categoria analítica (OFFE, 1989), e de fim do proletariado e de seu papel revolucionário (Gorz). No que tange às alterações no processo produtivo, algumas leituras indicam mudanças no núcleo de acumulação capitalista. O trabalho, nessa esfera, também não estaria mais cumprindo papel decisivo e essencial. Vinculado a esse aspecto, a noção de classes sociais tampouco faria sentido numa realidade que estaria reduzindo o proletariado (assim como os conflitos relacionados ao trabalho / luta de classes).
O crescimento, a produção e a geração de riquezas estão, segundo outros autores de perspectivas semelhantes, em estreita associação à geração de conhecimento mediante processamento da informação. A atividade econômica, por conseguinte, estaria numa mudança de estado de um modelo de produção de bens para o de prestação de serviços.
Nesse ambiente de mudanças, inserem-se novas vozes e discursos que não permeiam, de modo direto, o âmbito da produção. Constituem-se movimentos sociais em prol dos negros, das mulheres, dos gays, e de outras minorias. Aspectos culturais ganham destaque em relação aos aspectos econômicos próprios de uma sociedade de classes.
No liame das teorias sobre essas modificações que se iniciam na produção (nos processos de trabalho) e vão se espalhando por diversos ramos da vida social, acrescentam-se o papel preponderante da inovação tecnológica nessa nova configuração, e as novas lógicas de terceirização da produção em redes e novos arranjos produtivos (com presença mais acentuada a partir dos anos 90).
As transformações no âmbito da tecnologia e de sua utilização no universo do trabalho estimulam formulações sobre o processo de redução da jornada de trabalho e ampliação do tempo dedicado ao lazer (tempo livre, ócio). A revolução tecnológica supostamente permitiria usufruir as necessidades da humanidade com menos trabalho.
Ocorrem mudanças tanto na organização da produção (redução dos níveis hierárquicos, maior comunicação), como nos processos de trabalho (trabalho em equipe nas células). O trabalhador passa a desempenhar um papel mais ativo na produção, na qual se exige criatividade, capacidade de adaptação a contextos transitórios e flexíveis, bem como características de polivalência, e cooperação (numa forma de gestão participativa).
Apesar de quase todos os estudiosos do trabalho constatarem mudanças significativas em torno das formas de organização da produção e do processo de trabalho nas últimas décadas, uma parte desses autores vê de forma crítica essas teses que associam essas alterações com o fim do trabalho e de sua centralidade no capitalismo contemporâneo. Haveria outras questões em jogo que não diriam respeito a uma emergência de novas relações de trabalho (em que o trabalhador teria crescente autonomia, cooperação, liberdade e bem-estar).
Nesse sentido, outros autores desmistificam tais teses por meio de estudos que demonstram que atualmente o que há é um contexto de precarização do trabalho, individualização das relações de trabalho, intensificação do trabalho, e prevalência de relações de subordinação do trabalho ao capital.
Como diria Enrique de la Garza Toledo (2001), a sociedade do não-trabalho que imaginavam alguns teóricos no início dos anos oitenta por conta da aplicação das novas tecnologias se converteu em uma sociedade do muito e intenso trabalho para os que têm emprego e da desocupação não desejada nem enriquecedora para os outros.
Sob a atual reestruturação produtiva, essa exploração encontra-se qualitativamente agravada já que, para além da força física humana, o que está sendo extraído pela nova maquinaria que a integra é a capacidade cognitiva do trabalho vivo, aquela que produz idéias. É nesse contexto que estão sendo aplicadas as técnicas de gestão do trabalho provenientes da administração participativa, que visam estimular as qualidades criativas da força de trabalho e, através do incitamento da participação ativa dos trabalhadores de todos os níveis no processo de produção total da empresa, promover a formalização, normalização, e conseqüente materialização dos resultados dessa criatividade. É o que, para Arturo Lahera Sánchez, caracteriza-se como sendo a “conquista dos corações e mentes dos trabalhadores” (LAHERA SANCHEZ, 2005).
Há nesse ambiente a idéia de flexibilização de regulamentações que permeia as relações de trabalho e o mercado de trabalho. Flexibilidade é o que marca um modo de produzir atual (HARVEY, 1992), um modo de organização dos processos de trabalho e da produção chamado de Toyotismo. Para Alves (2000), um dos aspectos inovadores dessa técnica de gestão é a operação de um novo tipo de captura da subjetividade operária pela lógica do capital.
A noção de flexibilização pressiona os modos de produzir de forma a colocar, como elemento-chave na organização do trabalho, uma organização flexível e um trabalhador flexível. As estratégias geralmente se concretizam nas formas de subordinação do trabalhador às necessidades da organização, de modo a exigir uma flexibilização da vida em nome do cumprimento das exigências trazidas pelo trabalho. As novas formas de gestão têm por objetivo a gestão das subjetividades a partir de uma incorporação das metas e dos objetivos da empresa, buscando negar, dessa forma, a exploração da força de trabalho e o conflito capital/trabalho (TITTONI; NARDI, 2006).
Nesse sentido, de acordo com as atuais verificações, não faria muito sentido afirmar o fim do trabalho e de sua centralidade. Muitos equívocos se deram porque os autores vinculados a essas teses confundiram, entre outras coisas, trabalho com o emprego assalariado estabelecido nos moldes do Estado de Bem-estar Social dos países de capitalismo avançado.
König (1994), revendo esses debates, faz uma crítica aos estudiosos da crise da sociedade do trabalho, uma vez que não historicizaram o trabalho dentro de suas peculiaridades sócio-históricas e pautaram suas análises em categorias ideais, a-históricas, e quase metafísicas. Fazendo uma ponte com o ideário pós-moderno que circunda essas concepções de crise e fim do trabalho, pode-se lembrar o que diz Enrique de la Garza Toledo (2001): para “a pós-modernidade a fragmentação não é somente do mundo da vida, senão do todo, da cultura, da personalidade; já não haveria a possibilidade de grandes projetos, nem de grandes sujeitos ou identidades, se vive no sincrônico, o conceito de história perdeu o sentido” (DE LA GARZA TOLEDO, 2001, p.17).
Ao contrário do que pretende a tese da perda de centralidade do trabalho, a crise contemporânea do desemprego não consiste em uma ruptura na estrutura do capitalismo ou na dissolução das relações capitalistas de produção. Significa, sim, uma nova forma de exercício do poder de classe, bem como uma reafirmação vigorosa da lógica capitalista. O descarte progressivo de trabalhadores considerados supérfluos para o processo produtivo é realizado à revelia da classe trabalhadora, com o objetivo de reduzir custos. O desemprego estrutural e a precarização da condição proletária não são processos negociados, mas impostos à classe-que-vive-do-trabalho pela classe proprietária. Trata-se, pois, de uma questão de poder, de luta entre classes, cujo diferencial pode ser constatado nas modernas tentativas de desarticulação dos trabalhadores. A questão central é que o direito e o poder do proprietário de dispor das forças produtivas e dos resultados da produção segundo suas necessidades próprias e em busca da extração da mais-valia permanecem não apenas intactos, como foram contemporaneamente revigorados (ANTUNES, 2001).
Um aspecto marcante e contraditório da hipótese do fim da centralidade do trabalho, entretanto, é que foi concebida no bojo de uma contra ofensiva do capital no sentido de abolir as conquistas que a classe trabalhadora obteve durante o pós-guerra, principalmente nos países centrais. É a quebra de certo equilíbrio destacado por Castel (1998) entre o trabalho e o mercado que possibilita atualmente uma “remercadorização do trabalho”.
Ao colocar o interesse dos trabalhadores como pouco significativo ou até mesmo reacionário, a tese do fim da centralidade do trabalho abriu um flanco na classe trabalhadora e promoveu a cisão da aliança entre os trabalhadores e as classes médias (que sustentava politicamente o crescimento com menor desigualdade no pós-guerra nos países centrais).
O trabalho hoje continua central na acumulação do sistema e na construção de relações sociais e de identidades dos indivíduos. Em um contexto de intensas transformações, o trabalho também segue lógicas heterogênicas, flexíveis e precárias. Ordenamentos diversos conectados a novas formatações produzem uma gama diversa de organização da produção, de processo de trabalho, e de tipos de trabalho. Numa mesma região de um país podem coexistir diferenciadas práticas de contratação de mão-de-obra produtiva: subcontratação, mão-de-obra familiar, trabalho domiciliar, trabalho em tempo parcial, trabalho por tarefas, cooperativas de trabalho, etc.
Deixar de reconhecer a importância e o papel que o trabalho representa nas transformações sociais atuais é ausentar-se teoricamente frente a questões significativas sobre as novas formatações do capitalismo. Acima de tudo, é ocultar as questões políticas que envolvem as atuais relações de trabalho. A realidade capitalista ainda faz-se presente, agora com meios mais engenhosos de tentar camuflar o conflito intrínseco a sua lógica entre o capital e o trabalho.

REFERÊNCIAS
ALVES, G. O Novo (e Precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: FAPESP; Boitempo, 2000.
ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2001.
CASTEL, R. As metamorfoses do trabalho. In: FIORI, J. L. et. al. Globalização: o fato e o mito. Rio de Janeiro: UERJ, 1998.
DE LA GARZA TOLEDO, E. Problemas clásicos y actuales de la crisis del trabajo. In: DE LA GARZA TOLEDO, E; NEFFA, J. C. (Comps.). El trabajo del futuro. El futuro del trabajo. Buenos Aires: Clacso-Asdi, 2001.
HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral; Maria Stela Gonçalves. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2001.
KÖNIG, H. A crise da sociedade de trabalho e o futuro do trabalho: crítica de um debate atual. In: MARKERT, W. (Org.). Teorias de Educação do Iluminismo, Conceitos de Trabalho e do Sujeito: contribuições para uma Teoria Crítica da Formação do Homem. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
LAHERA SANCHEZ, A. Conquistando corazones y las almas de los trabajadores: la participación de los trabajadores en la calidad total como nuevo dispositivo disicplinario. In: CASTILLO, J. J. (director) El Trabajo Recobrado. Una evaluación del trabajo realmente existente en España. Madrid: Miño y Dávila, 2005.
OFFE, C. Trabalho: a categoria sociológica chave? In: ______. Capitalismo Desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989.
TITTONI, J; NARDI, H. C. Subjetividade e trabalho. In: CATTANI, A. D; HOLZMANN. (Orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006.


Texto de Leonardo de Lucas Domingues. Escrito em julho de 2008.