segunda-feira, novembro 15, 2004

Necessidade? Fetiche? ou necessidade de fetiche?


1,99

Bom, esse filme é realmente muito inovador, muito instigante, muito questionador...uma verdadeira obra de arte. O diretor é o Marcelo Masagão, do famoso Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos, o nome completo desse filme do qual estou falando é 1,99 - Um Supermercado que Vende Palavras. Ele tem uma abordagem sobre o consumo, sobre a nova realidade do mundo globalizado e informatizado, é uma crítica brutal ao estilo de vida contemporâneo. Estava pensando em algo para escrever mas li uma resenha que diz tudo sobre o filme. Quem quiser ver o trailer do filme http://cinema.terra.com.br/videos/interna/0,,OI39032-EI1176,00.html ou também, quem quiser se informar mais sobre ele http://www2.uol.com.br/umnovenove/

Vende-se Silêncio - por Arlindo Machado

1,99 é uma espécie de O Anjo Exterminador da era da globalização e do neoliberalismo. Não é mais a aristocracia decadente da Europa que se deixa enclausurar numa mansão barroca, mas uma massa indiferenciada de hiper-consumidores que se enclausura num supermercado todo branco, frio e asséptico, quedando-se ali por tempo indefinido para lotar seus carrinhos de compra não exatamente com produtos utilitários, mas com caixas vazias onde o único valor à venda são slogans digestivos reproduzindo a linguagem otimista da publicidade, frases pré-fabricadas de efeito psicológico e toda uma sub-literatura de consolo ou auto-ajuda. É um supermercado, mas parece mais uma mega-drogaria, que vende remédios virtuais para uma massa de estranhos autistas. Formas inusitadas de jogos eletrônicos e toda sorte de máquinas de simulação de “viagens” alucinógenas, movidas todas a cartão de crédito, completam o esforço de preencher o vazio desses irremediáveis solitários, prometendo a felicidade em doses homeopáticas, o prazer sem risco e a saúde programada do corpo. As paisagens do mundo exterior só penetram nesse recinto quando mediadas por máquinas de projeção e simulação. Todo contato com o exterior se dá apenas por câmera, email ou celular. Para onde quer que se vá, as câmeras de vigilância são sempre uma onipresença e tudo vêem, tudo sabem, tudo reprimem. Ao longo do período de clausura, várias micro-histórias ameaçam acontecer a partir de encontros aleatórios, mas nenhuma delas chega a desenvolver-se, esfacelando-se rapidamente na apatia preponderante do ambiente. Qualquer forma de subversão, seja sob forma de grafitagem, roubo ou assalto a mão armada, é rapidamente detectada, controlada e absorvida pelos dispositivos de segurança.
Trata-se de um filme corajoso de um diretor – Marcelo Masagão – cada vez mais inquieto e que surpreende pelas direções inesperadas que dá ao seu trabalho. Num momento em que o realismo, a fluência, a sedução audiovisual, a transparência narrativa parecem ter retornado e se imposto como a linguagem dominante no cinema, Masagão contra-ataca com um filme opaco, pós-moderno, propositalmente artificial, com intermináveis planos-seqüências que levam sempre ao mesmo lugar, como se vagassem em círculos, configurando o huis clos de uma civilização sem saída. A música repetitiva e minimalista de Wim Mertens, feita de intermináveis ritornellos à mesma seqüência de notas, reitera a circularidade sufocante do ambiente. Não há um único diálogo no filme, apenas uma ou outra voz-off, da mesma natureza dos slogans das caixas. A fala, principal forma de comunicação da humanidade, é substituída aqui por uma afasia fundamental, que reflete o silêncio, a passividade de uma geração que se cala diante das atrocidades. Só as caixas brancas falam, com sua razão inflexível e suas verdades inquestionáveis. Numa época em que consumimos a guerra no sofá, com pizza e Coca Cola no colo, o filme é de uma cruel atualidade, apontando claramente para a condição de imobilidade a que fomos reduzidos. 1,99 (aproveite a pechincha; é uma liquidação!) é um filme sobre o individualismo regado a Prozac, a felicidade nutrida pela Nintendo, a memória gerenciada pela Microsoft e a consciência controlada pela CNN.

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