quinta-feira, junho 30, 2011

Rumores cegos de uma máquina fria ou rumores frios de uma máquina cega? Eis aqui um relato de 1793.



Dissociaram-se (neste processo de dilaceramento) (...) as leis dos costumes; separaram-se do trabalho o prazer, dos meios os fins, do esforço a compensação. Ligado eternamente apenas a um pequeno fragmento do todo, o homem se transforma ao fim em pequeno fragmento; ouvindo eternamente só o ruído monótono da roda que gira, nunca desenvolve a harmonia de sua natureza e, em vez de representar no seu ser a humanidade, torna-se apenas em reprodução da sua especialidade (...). Assim, pouco a pouco, a vida individual concreta é devorada a fim de poder alimentar a miserável existência da abstrata vida geral.

Friedrich Schiller (1759-1805). In: Teatro Moderno, de Anatol Rosenfeld.

quarta-feira, junho 29, 2011

Os germes da 'gaiola de ferro'?



Se o homem, pelo saber e pelo gênio criador, domesticou as forças da natureza, estas últimas vingam-se dele, submetendo-o, na proporção em que ele as usa a um verdadeiro despotismo independente de qualquer organização social. Querer abolir a autoridade na grande indústria equivale a querer abolir a própria indústria, a destruir o tear mecânico para retroceder à roca.

Friedrich Engels (1820-1895). On authority.

terça-feira, junho 28, 2011

Negação³



O pensamento dialético começa com a experiência de que o mundo é não-livre; isto quer dizer que o homem e a natureza existem em condições de alienação, existem como "outra coisa que não o que eles são". Qualquer modo de pensamento exclui essa contradição de sua lógica com uma lógica falha. O "pensamento corresponde" à realidade apenas na medida em que transforma a realidade, compreende sua estrutura contraditória. Aqui o princípio dialético leva o pensamento para além dos limites da filosofia. Pois compreender a realidade significa compreender o que as coisas são, e isto, por sua vez, significa rejeitar sua mera facticidade. A rejeição é o processo do pensamento tanto quanto da ação (...) O pensamento dialético torna-se assim negativo em si mesmo, sua função é romper com autoconfiança e auto-satisfação do bom senso, é solapar a confiança sinistra no poder e na linguagem dos fatos. É demonstrar que a não-liberdade está tão no cerne das coisas, que o desenvolvimento das contradições internas leva necessariamente a uma mudança qualitativa: a explosão e catástrofe do estado estabelecido das coisas.

Herbert Marcuse (1898-1979). Razão e revolução.

segunda-feira, junho 27, 2011

O que dura?

Interrupção, incoerência, surpresa são as condições comuns de nossa vida. Elas se tornaram mesmo necessidades reais para muitas pessoas, cujas mentes deixaram de ser alimentadas (...) por outra coisa que não mudanças repentinas e estímulos constantemente renovados (...) Não podemos mais tolerar o que dura. Não sabemos mais fazer com que o tédio dê frutos.

Assim, toda a questão se reduz a isto: pode a mente humana dominar o que a mente humana criou?

Paul Valéry (1871-1945)

sexta-feira, junho 24, 2011

Estudar ciências sociais – I

"E depois de estrangular o último burocrata nas tripas do último sociólogo, ainda teremos problemas?" (pichação em um muro) Maio de 1968, Paris.



De repente você está lá com os seus 17/18 anos e se depara com a decisão crucial sobre o futuro de sua vida: qual curso superior escolher? E aí, sabe-se lá por que cargas d’água, razões, decisões, motivações você escolhe fazer o quê? Ciências Sociais.... Bom, talvez já tenha alguma inclinação para a coisa desde pequeno ou talvez acabe entrando nessa por não se enquadrar em nenhuma das outras categorias disponíveis. A questão é que não se sabe muito bem por que raios alguém escolhe fazer uma graduação dessas.
Lembro-me vagamente daquelas aulas iniciais, em que os professores sempre querem saber ou ter uma idéia sobre qual vento levou o aluno calouro até ali. Ainda bem que recalquei boa parte das falas proferidas. Uma garota chegou a dizer que tinha feito a tal escolha por uma mera e passageira associação entre um ex-presidente e sua formação de sociólogo. “Ah é, ele é sociólogo. Humm... Legal. Também quero ser”. Pois é, creio que é melhor pular essa parte. Mas é exatamente isso o que acontece. Há um quase completo desconhecimento sobre todo o universo que gravita em torno das ciências sociais.
Hoje ainda até existem mais recursos (cibernéticos) e informações para se ter uma noção prévia do que é entrar nesse mundo. Com a internet encontramos textos e mais textos, livros digitalizados, vídeos, páginas eletrônicas dos cursos de graduação e de pós... Tudo isso pode ajudar. Ah, e atualmente tem também a inserção da Sociologia como matéria obrigatória no ensino médio.
É claro que tudo isso ajuda, mas o certo é que você só vai saber mesmo o que é fazer ciências sociais quando já estiver fazendo. Tal fato não é nenhuma anomalia, se comparado aos outros cursos. Poderia listar uma centena de opções, e todas em todas elas a história é a mesma: há uma surpresa com a escolha tão bem pensada. Não se desanime, pode ainda ser pior. Talvez, só depois de terminada a tão sonhada e planejada graduação é que você vai perceber o que aquela escolha realmente significou para seu futuro. E aí, esse aí, pode ser um grande problema. Por enquanto, fiquemos com a nossa introdução ao mundo ciências sociais.
Você fez seu ensino médio e viu que só as matérias de humanas lhe interessavam. História, filosofia e sociologia eram os seus pontos altos no boletim. Você se vê como uma pessoa engajada, interessada nos destinos do mundo; parece que a maioria de seus outros amigos não consegue ao menos entender os verdadeiros problemas humanos que você levanta em conversas e bate-papos. É, meu caro, você já deve ter defendido os palestinos, os tibetanos, os cubanos, os indígenas, os haitianos, os sem-terra, os sem-teto, os animais em extinção... Certamente participou de passeatas e de todo tipo de manifestação. Talvez já tenha visto filmes-cabeça, dos quais mais ninguém gosta. Geralmente esse tipo de contexto e trajetória de vida, mais outros tantos elementos não destacados aqui é que levam alguém a escolher as sociais.
Essa não é uma condição necessária. Fora esse lado mais politizado, há também aqueles que, por várias razões, têm uma inclinação para um viver chamado de alternativo. Aí, aqui entram roqueiros, hippies, punks, straight edge, poetas e malucos de toda estirpe. Em qualquer universidade de médio ou grande porte, é possível notar que os alunos de ciências sociais são tidos como os mais estranhos e recebem nomes muito carinhosos da ‘comunidade’ universitária: os ‘bicho-grilo’, os ‘pé-sujo’... Há sempre alguém com dreadlocks, um outro com uma barba imensa...camisetas do Raul e adereços diversos adornam a alteridade do grupo.
O que em cursos como design gráfico, comunicação, jornalismo, marketing e propaganda é visto muitas vezes como uma demanda de mercado, o “ser alternativo” (ter estilo despojado, criativo...), lá nas sociais é uma realidade não-fabricada (com seu grau de autenticidade que o afasta da gravitação mercadológica). Talvez nenhum outro curso o coloque tão próximo da diversidade. Por trás de cada uma dessas pessoas existe uma complexa teia de relações aos submundos da cultura não-convencional. Vozes díspares e antagônicas vão querer falar, e você vai aprender a conviver com elas, a ouvi-las e a interagir com elas.


Depois de todas essas etapas, você quer saber, afinal, que curso é esse? O que ele representa? Qual a atuação das pessoas que passam por esse tipo de formação? Calma, a história é longa. Até você entender o que é um cientista social vai tempo (o que faz, então, demora mais ainda, risos). Na certa, até lá você já vai ter passado por boas crises existenciais ou até por experiências bizarras, mas isso fica para depois (para outro capítulo). O interessante é que você vai se deparar, em algum momento dessa empreitada, com célebres perguntas: até que ponto suporta seguir? É realmente intelectual o bastante para ser um acadêmico? Quais opções existem sem ser a vida universitária? Faz o curso para ser cientista ou para ser político? Trabalhar pela causa ou ser professor? Dinheiro...dinheiro...dinheiro....
Vai perceber que tudo aquilo que demora a compreender, vai ser ainda mais complicado para explicar aos outros, principalmente aos que o rodeiam. Se, para descobrir a diferença entre serviço social e ciências sociais bastam algumas semanas, para todo o resto leva quase a totalidade de uma existência. Enfim, essa não é uma tarefa fácil. Descobrir o universo que representa esse curso de graduação leva muito mais do que seus quatro anos de duração. Por isso, vou trazer para essas linhas um pouco do que consegui entender; farei um pequeno manual de introdução à vida de um cientista social em formação. Isso pode servir para alguma coisa. Sei lá, você é que me diz.... Diante de minhas próprias dificuldades, resolvi escrever alguma coisa para auxiliar quem estiver prestes a fazer essa escolha.
Espero continuar escrevendo sobre isso. Não são conselhos, são somente notas marginais sobre a impressão que tive ao passar por essa experiência.

quarta-feira, junho 22, 2011

Preço da autonomia (Jardim Imperfeito)




Tentarás então agarrar-te a teu ego, mas este será por sua vez ameaçado de deslocamento. Serás atravessado por correntes sobre as quais não terás nenhum domínio; crerás decidir, escolher e querer livremente, quando na verdade essas forças subterrâneas o farão em teu lugar. De modo que perderás as vantagens que te parecem justificar todos esses sacrifícios. Esse ego será apenas uma coleção heróclita de pulsões, uma dispensão ao infinito; será um ser alienado e inautêntico, não merecendo mais ser chamado de "sujeito".



Tzvetan Todorov (1939- )

segunda-feira, junho 20, 2011

A Modernidade e o Lager



Tudo agora tornou-se caos: estou só no centro de um nada turvo cinzento. E, de repente, sei o que isso significa, e sei também que sempre soube disso: estou de novo no lager, e nada era verdadeiro fora do lager.



Primo Levi (1919-1987)

quarta-feira, junho 15, 2011

"Homo sum..."

Quando iniciei essa idéia de postar conteúdos em um blog, não imaginei que tal processo fosse se prolongar por tanto tempo. Já nem sei quantos anos são. O certo é que esse espaço já mudou de nome várias vezes e teve lá suas novas roupagens. De um espaço mais privado e próprio do meu mundinho, fui tentando expandir o horizonte do conteúdo, sem com isso ter um amontoado genérico de coisas inclassificáveis. Já não é de hoje que o enfoque do que é postado aqui é puramente acadêmico.
De uns tempos para cá, decidi acrescentar citações que encontrava em minhas leituras diárias. A questão é que, mesmo não tendo compromisso algum com esse ser que gerei, é difícil mantê-lo da forma adequada. Vendo de lá para cá, até acho que não fiz nada do que queria.
Agora, veio-me a intenção de fazer unicamente ensaios; de ir treinando os dedos para saltos mais ousados futuramente. Falta a disciplina de escrever um pouco cada dia. Quem sabe um tema por dia? Ou um por semana? Não adianta. A coisa não anda.
Resmungar não adianta.
Falta-me inspiração abstrato-imaginativa (gostou da palavra?!). Será? Acho que o que falta mesmo é vergonha na cara. Risos. Falta-me vontade. Isso até é verdade mesmo. Falta o querer movimentar-se. Que preguiça!
Faltam problemas? Isso não. Definitivamente não.
Faltam soluções? Talvez. Originais.
Do encontro ao conto, do verso ao regresso. Quantas teclas vejo....