quarta-feira, junho 01, 2005

PRÍNCIPE DO LUGAR-COMUM

FHC insiste na profecia da crise. Candidato Cassandra? Por enquanto, poderia aprimorar as metáforas

Por Mino Carta


O País está sem rumo tal qual peru bêbado em dia de carnaval. Fernando Henrique Cardoso avisa e revela. O aviso diz respeito sobretudo às suas próprias esperanças. A revelação diz respeito ao peru, o qual, era o que supúnhamos escudados em vetustas tradições, não costuma ser levado à mesa durante o tríduo momesco. A não ser, quem sabe, na casa do ex-presidente.
FHC aposta na desgraça, na crise institucional, no caos econômico. Há duas semanas arriscou a comparação entre os dias de hoje e aqueles do governo João Goulart, interrompido, por razões obscuras e com a brutalidade conveniente, pelo golpe de 1964. No convescote tucano encenado no sábado 21 em São Paulo , FHC alegou não ter sido compreendido na referência a Jango, mas confirmou sua expectativa do iminente naufrágio petista.

O príncipe dos sociólogos, pasmem, comete suas ratas. Ou quem as comete são seus ouvintes? No domingo 22 disse não ter sido entendido na evocação do peru, e esclareceu, sabiamente, que dia do pileque é o Santo Natal. Nem por isso escapou ao lugar-comum. Só faltou dizer que o governo Lula é elefante em loja de louça.
Nunca vivemos quadra tão propícia à repetição incansável de chavões, frases feitas, clichês variegados, banalidades atrozes. Lugares-comuns. Com a valente, decisiva contribuição da imprensa, e da mídia em geral. O fenômeno é mundial, floresce no pomar da globalização. Vale acentuar, porém, que no rincão nativo estamos a bater recordes.

De um príncipe dos sociólogos seria digno, justo e salutar receber a aragem de metáforas mais argutas. FHC declama, contudo, que “os vampiros não são vampiros, são cupins que estão se espalhando por toda a parte”. Pelo jeito, faz prosélitos. Mas o deputado Alberto Goldman, adepto de linguagem mais seca, gracilianesca, enfatiza que o PT foi para o poder “para se locupletar”.
O forte de FHC nunca foi o estilo literário. Tampouco a coerência. Seu livro melhor talvez seja Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, embora Raymundo Faoro observasse que “no Brasil Meridional não houve escravidão”. Quanto à célebre Teoria da Dependência, exposta em obra escrita em parceria com o chileno Enzo Falletto, decreta a condenação sumária da burguesia que hoje o eleva à glória dos altares contingentes. E cujo apoio irrestrito espera em caso de crise, a tal vaticinada.
Às vezes me ocorre perguntar aos meus botões qual seria o livro de FHC que os leitores conservam sobre o criado-mudo, para abri-lo ao acaso no meio da noite, quando assaltados pela idéia da morte, a buscar naquelas páginas consolo e iluminação. Chego, até, a cogitar de pesquisa habilitada a responder à minha indagação. Certo é que nunca ouvi chamar de príncipe Raymundo Faoro, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado.

Recordo a entrevista que FHC me deu, faz quase dez anos, véspera da eleição de 1994. Foi para a capa da terceira edição de CartaCapital, ainda mensal. Dia ensolarado em Brasília, residência senatorial. Perguntei, de saída, a respeito do desempenho do entrevistado no séqüito de Jean-Paul Sartre, visitante ilustre em 1962. “Você, então, era vermelhinho, não é mesmo?” Nem tanto, respondeu FHC, “já misturava Marx com Weber”. Permiti-me recordar que no prefácio do seu primeiro livro, ele escrevera: “Foi empregado aqui o método dialético marxista”. Levou a mão ao queixo, reconheceu: “Obrigado por me lembrar, é verdade”.
Fez-se uma pausa. Curta. Retomou seu fio: “Mas tirei a referência do prefácio na segunda edição”.

Texto tirado da Carta Capital número 344. As fotos foram coladas de acordo com minha idéias.

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