segunda-feira, julho 18, 2011

Transformações nos processos de trabalho no capitalismo

Segundo Marx, processo de trabalho, com base em seu elemento simples e abstrato, é a atividade humana orientada a um fim para produzir valores de uso. É o meio pelo qual se dá a interação com o meio natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza (1985, p.153). Nesse processo, três fatores tornam-se indispensáveis: os próprios seres humanos ou a força de trabalho; as matérias-primas sobre as quais o homem atua; e os instrumentos que viabilizam essa transformação. Não consideradas aqui as especificidades históricas de cada período.
O processo de trabalho no capitalismo se caracteriza por ser, ao mesmo tempo, processo de produção de valores de uso e processo de produção de valores excedente (de troca). A produção de valor é, acima de tudo, processo de valorização, isto é, processo de produção de mais-valia e de capital. Essa é a situação em que o capitalista assegura a reprodução da sua condição de apropriação sobre a produção e o trabalho do proletário, que se reproduz, também, enquanto despossuído de meios de produção e possuidor apenas de sua força de trabalho. Tal processo se torna possível por meio da redução do tempo de trabalho necessário - a parte do tempo que o trabalhador utiliza para si mesmo - e aumento do mais trabalho, que corresponde ao tempo de trabalho para o capitalista (MARX, 1985).
Na história de formação do capitalismo, o controle sobre o processo de trabalho foi palco de conflitos e de demonstrações de resistência dos trabalhadores. A luta se dava em torno da autonomia do processo de trabalho, ameaçada de diversas formas por um sistema capitalista ainda gestante. A imposição de um sistema de parcelamento das atividades dos trabalhadores, por um lado, e da centralização hierárquica do mando nas mãos do capitalista, por outro, não se deu por razões de superioridade técnica, e nem teve como função a eficácia técnica, mas, tão-somente, se deu em favor da acumulação e do controle da produção (MARGLIN, 1980).








Nesse palco de apropriação do excedente no interior do processo de trabalho, o confronto entre capital e trabalho se torna visível. A fábrica surge como espaço de disciplina e de controle, e a máquina, por sua vez, representa a arma de uma estratégia de dominação. Muitas lutas foram travadas contra a imposição da maquinaria, encabeçadas por tecelões, operários e mulheres. Michelle Perrot retrata, de maneira notável, como que na França do século XIX, estabeleceu-se uma disciplina industrial que perpassava várias instituições da sociedade, integrando a fábrica , a escola, o exército e a prisão (PERROT, 1988, p.53).
Com a máquina e o sistema de máquinas sob a grande indústria, o processo de trabalho propriamente dito tende a negar a si próprio como processo de trabalho, sob a direção consciente do trabalho vivo (trabalhador), para se tornar processo de produção do capital conduzido pelo trabalho morto (máquina). O que significa que, neste caso, o homem é deslocado do processo de trabalho, deixando de ser elemento ativo e tornando-se elemento passivo, seguindo o ritmo e a cadência do sistema de máquinas. Isso é o que Marx irá denominar como sendo a passagem da subsunção formal do trabalho para a subsunção real do trabalho ao capital (ANTUNES, 1995).
A introdução da maquinaria tem como conseqüência o aumento da produtividade, a desqualificação e a desvalorização dos trabalhadores por meio dos elementos objetivos do processo de trabalho. Na fábrica, instalações, máquinas e equipamentos não podem mais ser utilizados individualmente, porque somente adquirem funcionalidade quando utilizadas coletivamente.
Para intensificar a produção, os capitalistas precisavam conter as diversas formas de porosidade (eliminar o tempo morto) que obstacularizavam o incremento da acumulação de capital. Essas porosidades diziam respeito à falta de integração entre as atividades produtivas e a perda de tempo conseqüente dessa operação (tanto por parte do treinamento operativo do trabalhador, quanto da disposição inadequada de máquinas e matérias-primas, por exemplo) (NEFFA, 1989). A introdução da maquinaria já representava uma forma de estratégia nesse sentido.
Sobre esse plano, instalaram-se técnicas gerenciais que proporcionaram ao capital transpor esses limites. No início do Século XX, Frederick Taylor reinventa a organização do processo produtivo capitalista, com objetivo de extrair o maior aproveitamento possível da força de trabalho (formas e modalidades de obter economia de tempo). Caracterizava-se por compreender: estudos de tempos e movimentos realizados pelos trabalhadores (reduzir tempo ocioso da produção); trabalho prescrito (ação já pensada no escritório de métodos); individualização do trabalho; padronização das tarefas e dos instrumentos de trabalho; seleção pretensamente científica dos trabalhadores; treinamento operacional; pagamento individualizado (remuneração correspondendo ao rendimento, como forma de estímulo); pausas e repousos entre as atividades; e estrutura hierárquica ampliada de controle e supervisão. O taylorismo se constituía, então, em uma proposta de racionalização da produção que integra a organização científica do trabalho (OCT), aprofundando a divisão técnica do trabalho e a separação entre concepção e execução (NEFFA, 1998; CATTANI, HOLZMANN, 2006).
A introdução de todos esses mecanismos se configura numa estratégia patronal de gestão e de organização do processo produtivo, com ênfase na disciplina e no controle fabris. Analisando os processos de resistência que os trabalhadores impunham a essas mudanças, percebe-se que foi muito mais uma estratégia política para retirar o poder de decisão dos trabalhadores na fábrica por meio de uma apropriação do seu saber, visando com isso destruir uma específica organização do processo de trabalho (DE DECCA, 1984).

O fordismo acentua e transforma a divisão social e técnica do trabalho, utilizando outros meios de trabalho. Tal técnica de gerenciamento introduziu a cadeia de montagem, o que possibilitou a mecanização do processo produtivo e a constituição do trabalhador coletivo fabril. A intenção, para aumentar a eficiência das empresas e fazer uma maior economia de tempo, foi mecanizar ao máximo o trabalho e incrementar o rendimento das máquinas, mais do que aumentar a produtividade direta do trabalho manual, que era o objetivo taylorista. Para alcançar esses objetivos, fez-se uma produção massiva de bens de consumo duráveis, pautada na utilização de tecnologias de propósitos únicos (estrutura rígida).
O fordismo/taylorismo teve seu desenvolvimento associado à expansão capitalista mundial, com grande ascensão durante o Estado do Bem Estar Social. No entanto, com as crises dos anos 70, o capitalismo ingressa em mais uma metamorfose, sob viés do programa neoliberal de redução do Estado e da atividade produtiva. Mudanças profundas se estabeleceram nas formas de produção e acumulação capitalista, assim como nas relações sociais que as acompanham. A crise do modelo de acumulação capitalista levou a um reordenamento das formas de organização do capital por meio de uma reestruturação produtiva. As empresas, ao tentarem restabelecer as taxas de lucro, tiveram de adotar medidas para reduzir custos de produção, aumentar a produtividade, ampliar o mercado e acelerar o giro de capital.
É a partir dos anos de 1990 que se observa a ampliação de novas técnicas de gestão do trabalho, profundamente inspiradas no chamado “modelo japonês” de administração e organização da produção. Também conhecido como toyotismo (também chamado de produção enxuta, entre outras), este novo método de gerenciamento tornou-se um fator integrante fundamental da profunda reestruturação produtiva pela qual as empresas do mundo todo vêm passando, de modo mais incisivo, desde a década de 1980. Logo, parte de suas técnicas relacionadas à gestão e treinamento da força de trabalho converteu-se em normatização obrigatória para obtenção de certificados do tipo ISO-9000 e seguintes (LAHERA SANCHEZ, 2005). Tais certificações são hoje consideradas um padrão obrigatório para a autenticação dos negócios das mais diversas firmas perante as associações comerciais de nível nacional e internacional.
Aspecto contingente do toyotismo, os Programas de Qualidade Total são o conjunto de técnicas de gestão responsáveis pela promoção do novo perfil do trabalhador prescrito pelo novo modelo de administração de empresas internacionalmente asseverado. São esses programas que respondem pelo desenvolvimento das novas demandas requeridas pelas grandes empresas relativamente à sua força de trabalho (flexibilidade, polivalência, envolvimento e participação), demandas que garantem, ao mesmo tempo, o engajamento e o desenvolvimento de habilidades operárias que potencializam a nova maquinaria informatizada. A ideologia da administração participativa própria desses programas determina um tipo de qualificação abrangente que motiva, entre outras coisas, a participação dos trabalhadores com sugestões que possam vir a melhorar seus processos de trabalho.
Sob a atual reestruturação produtiva, essa exploração encontra-se qualitativamente agravada já que, para além da força física humana, o que está sendo extraído pela nova maquinaria que a integra é a capacidade cognitiva do trabalho vivo, aquela que produz idéias. É nesse sentido que estão sendo aplicadas as técnicas de gestão do trabalho provenientes da administração participativa, que visam a estimular as qualidades criativas da força de trabalho e, através do incitamento da participação ativa dos trabalhadores de todos os níveis no processo de produção total da empresa, promover a formalização, normalização e a conseqüente materialização dos resultados dessa criatividade. É o que para Arturo Lahera Sánchez se caracteriza como sendo a “conquista dos corações e mentes dos trabalhadores” (LAHERA SANCHEZ, 2005).
A necessidade de recuperação de rentabilidade obrigou as multinacionais a internacionalizarem o seu sistema produtivo, gerando novos vínculos de subcontratação em regiões onde os contratos de trabalho eram bastante flexíveis, proporcionando produção com mão-de-obra menos onerosa como forma de diminuir custos de produção.
As transformações vêm criando dificuldades para a ação dos sindicatos, reduzindo seu poder de representação junto à classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, exigindo novas formas de articulação que viabilizem a incorporação, organização e representação dos novos segmentos de trabalhadores, e acarretando, também, a reestruturação das estratégias de resistência dos trabalhadores.

As diferentes formas de gerenciamento da produção e do processo de trabalho não se estabelecem de forma idêntica em todos os países ou regiões e, apesar de suas distinções, não é possível dizer que uma forma tenha superado totalmente a outra (e assim por diante). “Em condições de acumulação flexível, parece que sistemas de trabalho alternativos podem existir lado a lado, no mesmo espaço, de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles” (ANTUNES, 1995, p.22). Mesmo no interior de cada país, estão presentes conjuntos diferenciados de práticas de contratação da mão-de-obra produtiva: subcontratação, mão-de-obra familiar, trabalho domiciliar, trabalho em tempo parcial, trabalho por tarefas, cooperativas de trabalho, etc.
Apesar de compor novos nomes e de representar novas bandeiras, como a qualidade, a participação, a criatividade e a decência, a estratégia que se dá num plano mais concreto é a mesma: a luta do capital para retirar dos trabalhadores o controle sobre o processo de trabalho. Para triunfar no plano da produção, o capital cria novas formas de trabalho e de gestão, assim como reinventa, em novos arranjos, processos de trabalho que pareciam estar superados pela sua mesma lógica racionalizadora.
A busca pelo controle do processo de trabalho traz consigo o conflito entre capital e trabalho. Essa luta dispõe-se num movimento de confronto e consentimento entre as práticas de resistência dos trabalhadores e os mecanismos/estratégias de dominação exercidos pelo capital. O processo de trabalho, incorporando suas mutações e dinâmicas, estabelece-se, assim, como ponto-chave para compreensão das transformações que configuram o caráter singular/universal do sistema capitalista.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez/Unicamp, 1995.
CATTANI, A. D; HOLZMANN, L. Taylorismo. In: ______ (Orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
DE DECCA, E. A ciência da produção. A fábrica despolitizada. Revista Brasileira de História. n.6. Marco Zero, 1984, p.47-79.
HOLZMANN, L. Processo de trabalho II. In: CATTANI, A. D; HOLZMANN, L (Orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
LAHERA SANCHEZ, A. Conquistando corazones y las almas de los trabajadores: la participación de los trabajadores en la calidad total como nuevo dispositivo disicplinario. In: CASTILLO, J. J. (director) El Trabajo Recobrado. Uma evaluación del trabajo realmente existente en España. Madrid: Miño y Dávila, 2005.
MARGLIN, S. A. Origem e funções do parcelamento das tarefas. Para quê servem os patrões? In: GORZ, A (Org). Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
MARX, K. O Capital. 2.ed. vol.1 t.1 São Paulo: Nova Cultural, 1985.
NEFFA, J. C. Los Paradigmas Productivos Taylorista y Fordista y su Crisis: Uma contribuición a su estudio, desde el enfoque de la “Teoría de la Regulación”. Buenos Aires: Lumen, 1998.
NEFFA, J. C. El proceso de trabajo y la economia del tiempo. Contribuición al analisis crítico de Marx, Taylor y Ford. Buenos Aires: Humanitas, 1989.
PERROT, M. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Texto escrito por Leonardo de Lucas S Domingues em 09 de junho de 2008.

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