quinta-feira, julho 21, 2011

Wissenschaft als Beruf (1917/1919)

Sem dúvida nenhuma, o progresso é um fragmnento, o mais importante, do processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios e relativamente ao qual algumas pessoas adotam, atualmente, posição estranhamente negativa.
 Inicialmente, tentemos perceber com clareza o que significa, na prática, essa racionalização intelectualista que devemos à ciência e à técnica científica. Acaso, significará que todos os que estão reunidos nesta sala possuem, no que se refere às respectivas condições de vida, conhecimento superior ao que um índio ou um hotentote poderiam alcançar a respeito de suas próprias condições de vida? É pouco provável. Dentre nós, aquele que entra num trem não tem noção alguma do mecanismo que permite que permite ao veículo pôr-se em marcha - exceto se for um físico de profissão. De outra feita, não temos necessidade de conhecer aquele mecanismo. É suficiente poder "contar" com o trem e orientar, consequentemente, nosso comportamento. Não sabemos, todavia, como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. Contrariamente, o selvagem conhece, de modo incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu seria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas economistas, porventura presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a mesma quantia de dinheiro, ora se possa adquirir grande porção de coisas e ora uma porção mínima? No entanto, o selvagem sabe perfeitamente como agir para obter o alimento diário e conhece os meios capazes de favorecê-lo em seu propósito. A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente a respeito das condições em que vivemos. Antes, significam que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, conquanto que o quiséssemos, provar que não existe, primordialmente, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida. Em outras palavras, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Isso é o mesmo que despojar de magia o mundo. Não se trata para nós, como para o selvagem que acredita na existência daqueles poderes, de apelar a métodos mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Essa é a essência da significação de intelectualização.
Daí surge uma nova pergunta: realizado ao longo dos milênios da civilização ocidental e, em termos mais gerais, esse processo de desencantamento, esse "progresso" do qual participa a ciência, como elemento e motor, tem significação que ultrapasse essa pura prática e essa pura técnica? Mereceu exposição vigorosa na obra de Leon Tolstói essa questão. Por via que lhe é própria, Tolstói a tal questão chegou. Todas as suas meditações cristalizaram-se crescentemente em torno do seguinte tema: a morte é ou não é um acontecimento que encerra sentido? Sua resposta é a de que, para um homem civilizado, não existe tal sentido. Obviamente não pode existir porque a vida individual do civilizado navega no "progresso" e no infinito e, consoante seu sentido imanente, essa vida não deveria ter fim. Por certo, há sempre possibilidade de novo progresso para aquele que vive no progresso. Dos que morrem, nenhum chega jamais a atingir o cimo, já que o cimo se encontra no infinito. Abraão ou os camponeses do passado morreram "velhos e plenos de vida", pois que estavam instalados no ciclo orgânico da vida, porque esta lhes havia reservado, ao fim de seus dias, todo o sentido que podia proporcionar-lhes e porque não subsistia enigma que eles ainda teriam desejado resolver. Portanto, podiam considerar-se plenos com a vida. Contrariamente, o homem civilizado, posto em meio ao caminhar de uma civilização que se enriquece continuamente de pensamentos, de experiências e de problemas, pode sentir-se "cansado" da vida, mas não "pleno" dela. Certamente, jamais ele pode apossar-se senão de uma parte diminuta do que a vida do espírito incessantemente produz. Ele pode captar apenas o provisório e jamais o definitivo. Em virtude disso, a seus olhos a morte não faz sentido, também a vida do civilizado não o faz, já que a "progressividade" sem significação faz da vida um acontecimento igualmente sem significação. Nas últimas obras de Tolstói, por toda parte encontra-se esse pensamento, que dá estilo à sua arte. 
Max Weber (1864-1920). Ciência como vocação.

segunda-feira, julho 18, 2011

Transformações nos processos de trabalho no capitalismo

Segundo Marx, processo de trabalho, com base em seu elemento simples e abstrato, é a atividade humana orientada a um fim para produzir valores de uso. É o meio pelo qual se dá a interação com o meio natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza (1985, p.153). Nesse processo, três fatores tornam-se indispensáveis: os próprios seres humanos ou a força de trabalho; as matérias-primas sobre as quais o homem atua; e os instrumentos que viabilizam essa transformação. Não consideradas aqui as especificidades históricas de cada período.
O processo de trabalho no capitalismo se caracteriza por ser, ao mesmo tempo, processo de produção de valores de uso e processo de produção de valores excedente (de troca). A produção de valor é, acima de tudo, processo de valorização, isto é, processo de produção de mais-valia e de capital. Essa é a situação em que o capitalista assegura a reprodução da sua condição de apropriação sobre a produção e o trabalho do proletário, que se reproduz, também, enquanto despossuído de meios de produção e possuidor apenas de sua força de trabalho. Tal processo se torna possível por meio da redução do tempo de trabalho necessário - a parte do tempo que o trabalhador utiliza para si mesmo - e aumento do mais trabalho, que corresponde ao tempo de trabalho para o capitalista (MARX, 1985).
Na história de formação do capitalismo, o controle sobre o processo de trabalho foi palco de conflitos e de demonstrações de resistência dos trabalhadores. A luta se dava em torno da autonomia do processo de trabalho, ameaçada de diversas formas por um sistema capitalista ainda gestante. A imposição de um sistema de parcelamento das atividades dos trabalhadores, por um lado, e da centralização hierárquica do mando nas mãos do capitalista, por outro, não se deu por razões de superioridade técnica, e nem teve como função a eficácia técnica, mas, tão-somente, se deu em favor da acumulação e do controle da produção (MARGLIN, 1980).








Nesse palco de apropriação do excedente no interior do processo de trabalho, o confronto entre capital e trabalho se torna visível. A fábrica surge como espaço de disciplina e de controle, e a máquina, por sua vez, representa a arma de uma estratégia de dominação. Muitas lutas foram travadas contra a imposição da maquinaria, encabeçadas por tecelões, operários e mulheres. Michelle Perrot retrata, de maneira notável, como que na França do século XIX, estabeleceu-se uma disciplina industrial que perpassava várias instituições da sociedade, integrando a fábrica , a escola, o exército e a prisão (PERROT, 1988, p.53).
Com a máquina e o sistema de máquinas sob a grande indústria, o processo de trabalho propriamente dito tende a negar a si próprio como processo de trabalho, sob a direção consciente do trabalho vivo (trabalhador), para se tornar processo de produção do capital conduzido pelo trabalho morto (máquina). O que significa que, neste caso, o homem é deslocado do processo de trabalho, deixando de ser elemento ativo e tornando-se elemento passivo, seguindo o ritmo e a cadência do sistema de máquinas. Isso é o que Marx irá denominar como sendo a passagem da subsunção formal do trabalho para a subsunção real do trabalho ao capital (ANTUNES, 1995).
A introdução da maquinaria tem como conseqüência o aumento da produtividade, a desqualificação e a desvalorização dos trabalhadores por meio dos elementos objetivos do processo de trabalho. Na fábrica, instalações, máquinas e equipamentos não podem mais ser utilizados individualmente, porque somente adquirem funcionalidade quando utilizadas coletivamente.
Para intensificar a produção, os capitalistas precisavam conter as diversas formas de porosidade (eliminar o tempo morto) que obstacularizavam o incremento da acumulação de capital. Essas porosidades diziam respeito à falta de integração entre as atividades produtivas e a perda de tempo conseqüente dessa operação (tanto por parte do treinamento operativo do trabalhador, quanto da disposição inadequada de máquinas e matérias-primas, por exemplo) (NEFFA, 1989). A introdução da maquinaria já representava uma forma de estratégia nesse sentido.
Sobre esse plano, instalaram-se técnicas gerenciais que proporcionaram ao capital transpor esses limites. No início do Século XX, Frederick Taylor reinventa a organização do processo produtivo capitalista, com objetivo de extrair o maior aproveitamento possível da força de trabalho (formas e modalidades de obter economia de tempo). Caracterizava-se por compreender: estudos de tempos e movimentos realizados pelos trabalhadores (reduzir tempo ocioso da produção); trabalho prescrito (ação já pensada no escritório de métodos); individualização do trabalho; padronização das tarefas e dos instrumentos de trabalho; seleção pretensamente científica dos trabalhadores; treinamento operacional; pagamento individualizado (remuneração correspondendo ao rendimento, como forma de estímulo); pausas e repousos entre as atividades; e estrutura hierárquica ampliada de controle e supervisão. O taylorismo se constituía, então, em uma proposta de racionalização da produção que integra a organização científica do trabalho (OCT), aprofundando a divisão técnica do trabalho e a separação entre concepção e execução (NEFFA, 1998; CATTANI, HOLZMANN, 2006).
A introdução de todos esses mecanismos se configura numa estratégia patronal de gestão e de organização do processo produtivo, com ênfase na disciplina e no controle fabris. Analisando os processos de resistência que os trabalhadores impunham a essas mudanças, percebe-se que foi muito mais uma estratégia política para retirar o poder de decisão dos trabalhadores na fábrica por meio de uma apropriação do seu saber, visando com isso destruir uma específica organização do processo de trabalho (DE DECCA, 1984).

O fordismo acentua e transforma a divisão social e técnica do trabalho, utilizando outros meios de trabalho. Tal técnica de gerenciamento introduziu a cadeia de montagem, o que possibilitou a mecanização do processo produtivo e a constituição do trabalhador coletivo fabril. A intenção, para aumentar a eficiência das empresas e fazer uma maior economia de tempo, foi mecanizar ao máximo o trabalho e incrementar o rendimento das máquinas, mais do que aumentar a produtividade direta do trabalho manual, que era o objetivo taylorista. Para alcançar esses objetivos, fez-se uma produção massiva de bens de consumo duráveis, pautada na utilização de tecnologias de propósitos únicos (estrutura rígida).
O fordismo/taylorismo teve seu desenvolvimento associado à expansão capitalista mundial, com grande ascensão durante o Estado do Bem Estar Social. No entanto, com as crises dos anos 70, o capitalismo ingressa em mais uma metamorfose, sob viés do programa neoliberal de redução do Estado e da atividade produtiva. Mudanças profundas se estabeleceram nas formas de produção e acumulação capitalista, assim como nas relações sociais que as acompanham. A crise do modelo de acumulação capitalista levou a um reordenamento das formas de organização do capital por meio de uma reestruturação produtiva. As empresas, ao tentarem restabelecer as taxas de lucro, tiveram de adotar medidas para reduzir custos de produção, aumentar a produtividade, ampliar o mercado e acelerar o giro de capital.
É a partir dos anos de 1990 que se observa a ampliação de novas técnicas de gestão do trabalho, profundamente inspiradas no chamado “modelo japonês” de administração e organização da produção. Também conhecido como toyotismo (também chamado de produção enxuta, entre outras), este novo método de gerenciamento tornou-se um fator integrante fundamental da profunda reestruturação produtiva pela qual as empresas do mundo todo vêm passando, de modo mais incisivo, desde a década de 1980. Logo, parte de suas técnicas relacionadas à gestão e treinamento da força de trabalho converteu-se em normatização obrigatória para obtenção de certificados do tipo ISO-9000 e seguintes (LAHERA SANCHEZ, 2005). Tais certificações são hoje consideradas um padrão obrigatório para a autenticação dos negócios das mais diversas firmas perante as associações comerciais de nível nacional e internacional.
Aspecto contingente do toyotismo, os Programas de Qualidade Total são o conjunto de técnicas de gestão responsáveis pela promoção do novo perfil do trabalhador prescrito pelo novo modelo de administração de empresas internacionalmente asseverado. São esses programas que respondem pelo desenvolvimento das novas demandas requeridas pelas grandes empresas relativamente à sua força de trabalho (flexibilidade, polivalência, envolvimento e participação), demandas que garantem, ao mesmo tempo, o engajamento e o desenvolvimento de habilidades operárias que potencializam a nova maquinaria informatizada. A ideologia da administração participativa própria desses programas determina um tipo de qualificação abrangente que motiva, entre outras coisas, a participação dos trabalhadores com sugestões que possam vir a melhorar seus processos de trabalho.
Sob a atual reestruturação produtiva, essa exploração encontra-se qualitativamente agravada já que, para além da força física humana, o que está sendo extraído pela nova maquinaria que a integra é a capacidade cognitiva do trabalho vivo, aquela que produz idéias. É nesse sentido que estão sendo aplicadas as técnicas de gestão do trabalho provenientes da administração participativa, que visam a estimular as qualidades criativas da força de trabalho e, através do incitamento da participação ativa dos trabalhadores de todos os níveis no processo de produção total da empresa, promover a formalização, normalização e a conseqüente materialização dos resultados dessa criatividade. É o que para Arturo Lahera Sánchez se caracteriza como sendo a “conquista dos corações e mentes dos trabalhadores” (LAHERA SANCHEZ, 2005).
A necessidade de recuperação de rentabilidade obrigou as multinacionais a internacionalizarem o seu sistema produtivo, gerando novos vínculos de subcontratação em regiões onde os contratos de trabalho eram bastante flexíveis, proporcionando produção com mão-de-obra menos onerosa como forma de diminuir custos de produção.
As transformações vêm criando dificuldades para a ação dos sindicatos, reduzindo seu poder de representação junto à classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, exigindo novas formas de articulação que viabilizem a incorporação, organização e representação dos novos segmentos de trabalhadores, e acarretando, também, a reestruturação das estratégias de resistência dos trabalhadores.

As diferentes formas de gerenciamento da produção e do processo de trabalho não se estabelecem de forma idêntica em todos os países ou regiões e, apesar de suas distinções, não é possível dizer que uma forma tenha superado totalmente a outra (e assim por diante). “Em condições de acumulação flexível, parece que sistemas de trabalho alternativos podem existir lado a lado, no mesmo espaço, de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles” (ANTUNES, 1995, p.22). Mesmo no interior de cada país, estão presentes conjuntos diferenciados de práticas de contratação da mão-de-obra produtiva: subcontratação, mão-de-obra familiar, trabalho domiciliar, trabalho em tempo parcial, trabalho por tarefas, cooperativas de trabalho, etc.
Apesar de compor novos nomes e de representar novas bandeiras, como a qualidade, a participação, a criatividade e a decência, a estratégia que se dá num plano mais concreto é a mesma: a luta do capital para retirar dos trabalhadores o controle sobre o processo de trabalho. Para triunfar no plano da produção, o capital cria novas formas de trabalho e de gestão, assim como reinventa, em novos arranjos, processos de trabalho que pareciam estar superados pela sua mesma lógica racionalizadora.
A busca pelo controle do processo de trabalho traz consigo o conflito entre capital e trabalho. Essa luta dispõe-se num movimento de confronto e consentimento entre as práticas de resistência dos trabalhadores e os mecanismos/estratégias de dominação exercidos pelo capital. O processo de trabalho, incorporando suas mutações e dinâmicas, estabelece-se, assim, como ponto-chave para compreensão das transformações que configuram o caráter singular/universal do sistema capitalista.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez/Unicamp, 1995.
CATTANI, A. D; HOLZMANN, L. Taylorismo. In: ______ (Orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
DE DECCA, E. A ciência da produção. A fábrica despolitizada. Revista Brasileira de História. n.6. Marco Zero, 1984, p.47-79.
HOLZMANN, L. Processo de trabalho II. In: CATTANI, A. D; HOLZMANN, L (Orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
LAHERA SANCHEZ, A. Conquistando corazones y las almas de los trabajadores: la participación de los trabajadores en la calidad total como nuevo dispositivo disicplinario. In: CASTILLO, J. J. (director) El Trabajo Recobrado. Uma evaluación del trabajo realmente existente en España. Madrid: Miño y Dávila, 2005.
MARGLIN, S. A. Origem e funções do parcelamento das tarefas. Para quê servem os patrões? In: GORZ, A (Org). Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
MARX, K. O Capital. 2.ed. vol.1 t.1 São Paulo: Nova Cultural, 1985.
NEFFA, J. C. Los Paradigmas Productivos Taylorista y Fordista y su Crisis: Uma contribuición a su estudio, desde el enfoque de la “Teoría de la Regulación”. Buenos Aires: Lumen, 1998.
NEFFA, J. C. El proceso de trabajo y la economia del tiempo. Contribuición al analisis crítico de Marx, Taylor y Ford. Buenos Aires: Humanitas, 1989.
PERROT, M. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Texto escrito por Leonardo de Lucas S Domingues em 09 de junho de 2008.

domingo, julho 17, 2011

Fazer Ciências Sociais - III

Mudança. Talvez essa seja uma das marcas indeléveis de alguém que passa pelo processo de graduação em ciências sociais. Falo de mudança porque, na realidade, há um mudar em diversos sentidos. Mesmo para os alunos que não tenham lá tanta simpatia com o curso ou que estejam mais interessados somente no diploma irão ser provocados a saírem do lugar. Isso acontece principalmente se você passa a viver numa cidade universitária distante de sua família. Todo esse ambiente de novidade estimula ainda mais a necessária desconexão com o mundo diário dos problemas corriqueiros. Ainda que tenha de trabalhar para se manter nessa nova morada, como boa parte dos alunos acaba fazendo, isso não vai alterar sua jornada de reconstrução do mundo social que o cerca (e que sempre passa despercebido) por meio das diversas orientações teóricas. Talvez tal fato até potencialize seu distanciamento crítico em relação ao emaranhado de relações entre pessoas e coisas que se pulverizam numa apreensão imediata do cotidiano. O certo é que, de uma maneira ou de outra, independente de sua origem social, de seu credo e todas as outras coisas que nos distinguem/diferenciam uns dos outros, a despeito disso tudo, você vai repensar sua vida; vai questionar seu mundo; vai parar, nem que for por alguns instantes, para pensar sobre coisas que, por circunstancias das mais diversas (e que irá estudar sobre elas), dificilmente pensaria.
Não há nenhum mistério em tudo o que eu disse. A vida universitária por si só já representa uma etapa de transformação. É um momento inédito na vida de muita gente. Muitos estão longe de casa pela primeira vez, tendo que se virar com uma série de detalhes que muitas vezes não são percebidos no dia-a-dia de uma casa familiar (limpeza, comida, dinheiro...). Parece pouco, mas só esse pequeno detalhe já desorganiza a vida de muita gente. Alguns ficarão pelo caminho unicamente por não conseguirem se habituar a manter uma rotina nesse universo pretensamente livre (festas, bares, ausência de controle mais rígido quanto às faltas e às notas baixas, entre outros). Mas, não há com o que se preocupar, a maioria dos alunos estará no mesmo barco; será, de certa forma, a mesma experiência para todos; descobertas muito parecidas. É lógico que cada um terá o seu modo de vivenciá-la. Alguns viverão essas mudanças de modo extremamente intenso, outros já irão percorrer o caminho com moderação. Mas imagine-se, tudo será novo. Por isso é tão interessante estudar em uma cidade distante da sua de origem. Também é importante escolher uma universidade (com muitos cursos diferentes; esse contato com grupos distintos é fundamental).
No que diz respeito especificamente ao curso de ciências sociais, as mudanças incluem não só o contato com novas visões de mundo, mas, também, a conexão com uma miríade de formas de vida alternativa. Se sua sala for realmente representativa nesses quesitos (uma genuína classe de ciências sociais), prepare-se para tomar contato com vegetarianos, hinduístas, budistas, rastafaris, feministas, crentes, anarquistas, naturebas e bichos-do-mato de toda espécie. Por vezes, alguns mudam de uma para outra, transformam-se, convertem-se...é uma loucura. Em paralelo às mudanças de rotas, uma série de crises se sucederá, uma atrás a outra: existenciais, psicológicas, religiosas, financeiras.... Não há quem não passe por elas (a que trata da existência material será, certamente, a mais problemática).
Muitas dúvidas surgirão. Se elas decorrerem das reflexões em sala ou mesmo das leituras, alguma serventia intelectual tais dúvidas terão. Todo questionamento o levará ao movimento. Não há nada mais básico em um trabalho de reflexão. Não importa o quanto isso vá contra seus próprios pensamentos ou convicções, duvide, questione, problematize. O conforto no campo das idéias não é para os que lidam com os problemas do pensamento (muito menos para os que refletem sobre a realidade). Criticar parece ser uma resposta simples para problemas complexos. Não é bem assim. A crítica é um elemento fundamental nesse processo (assim como a autocrítica). Lembre-se que os pensamentos só servem para fazê-lo pensar, nada mais. Não cultue os pensamentos; não se fixe em idéias, principalmente as que abstratamente (no campo lógico) parecem perfeitas. Pense agindo concretamente, transformando sua realidade.
Desde o primeiro momento na graduação, tente abarcar em suas inquietações o máximo de referenciais distintos. Leia sobre tudo. Converse muito com professores de matérias diametralmente opostas. Procure saber, já no primeiro ano, quais os projetos desenvolvidos nas pesquisas do corpo docente. Mergulhe no erro. Teste suas afinidades teóricas. Discuta. Quando sentir que as idéias não saem de certo limite de segurança, provoque-as, remova obstáculos; jogue os pensamentos contra si mesmos. A realidade não vai até onde se estende a racionalidade lógica de meros conceitos abstratos.
Se for instigado a pensar, fará do mundo uma grande experiência criativa. Verá que a mudança que se materializa em você se expressa antes na realidade que o cerca. Esse movimento o levará a investigar sobre o que está inscrito no universo social que nos rodeia. Por trás de explicações supostamente óbvias sobre cada coisa que existe no mundo, apreenderá o jogo contraditório das relações que constituem esse agora antagônico mundo.

quinta-feira, julho 14, 2011

Um relato memorável de um tempo não tão distante



Não será tanto a minha vida que narrarei, mas sim a de uma geração inteira, a da nossa geração que como quase nenhuma outra no curso da História foi cheia de vicissitudes. Cada um de nós, mesmo o mais instigante, em sua existência íntima foi revolvido pelos tremores vulcânicos quase ininterruptos do nosso solo europeu. E eu entre os inúmeros indivíduos dessa geração não sei atribuir a mim outra preeminência senão esta: a de como austríaco, como judeu, como escritor, como humanista e pacifista achar-me sempre precisamente no lugar em que esses abalos de terra se manifestaram com mais violência. Três vezes eles me derribaram a casa e a existência, desligaram-me de todo o passado e com sua veemência dramática arremessaram-me no vácuo, no já bem conhecido "não sei para onde ir". [...] o indivíduo sem pátria [...]. Desprendido de todas as raízes e do solo que as nutria, em verdade estou como raramente alguém esteve ou está. [...] Por isso já não pertenço a lugar algum, em toda parte sou estrangeiro [...]. Contra minha vontade tornei-me testemunha da mais terrível derrota da razão e do mais bárbaro triunfo da brutalidade que se encontram na crônica dos tempos; nunca - não é absolutamente com orgulho e sim com vergonha que registro este fato - uma geração sofreu, como a nossa, tamanha queda de tão elevado nível do espírito. No pequeno lapso de tempo decorrido desde que a barba me começou a aparecer até que começou a ficar grisalha, nesse meio século, operaram-se mais mudanças e transformações radicais do que de ordinário no período de dez gerações humanas [...]. Toda vez que em conversa narro a amigos mais moços episódios da época anterior à primeira grande guerra, por suas perguntas admirativas vejo quanta coisa para mim ainda é realidade e para eles se tornou histórica ou inimaginável [...] entre o nosso hoje, o nosso ontem e o nosso anteontem destruíram-se todas as partes [...]. Lemos o catálogo de todas as catástrofes que se possam imaginar, mais ainda não estamos na última página. [...] Todos os sinistros ginetes do Apocalipse passaram impetuosamente pela minha vida, a revolução e a fome, a desvalorização do dinheiro e o terror, as epidemias e a emigração, vi crescerem e propagarem-se sob as minhas vistas as grandes ideologias das massas, o fascismo na Itália, o socialismo nacional na Alemanha, o bolchevismo na Rússia e sobretudo essa arquipeste, o nacionalismo, que aniquilou a florescência da nossa civilização européia. Tive de ser testemunha indefesa e impotente do mais inimaginável retrocesso da humanidade para uma barbárie, havia muito julgada esquecida, com seu dogma consciente e programático de anti-humanitarismo. A nós estava reservado vermos novamente, após séculos, guerras sem declarações de guerra, campos de concentração, torturas, pilhagens de populações e lançamento de bombas sobre cidades indefesas, todas essas brutalidades que as últimas cinqüenta gerações não mais conheciam e as futuras, como é de esperar, não mais suportarão. Mas, paradoxalmente, na mesmíssima época em que na moral o nosso mundo precipitadamente retrocedia um milênio, vi a mesma humanidade no terreno da técnica e no intelectual elevar-se a feitos imprevistos, sobrepujando com um surto tudo o que fora produzido em milhares de anos: a conquista do éter pelo avião, a transmissão da palavra humana, em segundos, por todo o globo terrestre e, com isso, o triunfo sobre o espaço, a divisão do átomo, o triunfo sobre as mais traiçoeiras doenças, a quase diária possibilitação do que ainda na véspera era impossível. Nunca até a hora presente a humanidade como um todo se mostrou mais diabólica e nunca produziu de maneira tão semelhante a Deus. [...] por toda parte a mão do destino nos agarrava e puxava à força para seu giro interminável. Constantemente tínhamos de nos submeter às exigências do Estado, servir de presas para a mais estúpida política, de nos adaptar às mais fantásticas alterações. Por mais que resistíssemos indignados, sempre estávamos acorrentados à totalidade, éramos inevitavelmente arrastados. [...] daquela época que nos plasmou e educou [...]. Não tenho à mão nenhum exemplar dos meus livros, notas, cartas de amigos, no meu quarto de hotel. Em nenhuma parte posso pedir informações, pois no mundo inteiro o correio está interrompido de um país para outro ou sujeito à censura. Vivemos tão separados uns dos outros como em séculos passados, antes da invenção do correio, do navio a vapor, da estrada de ferro e do avião. De todo o meu passado não tenho comigo senão o que trago no cérebro.

Stefan Zweig (1881-1942). O mundo que eu vi.

terça-feira, julho 12, 2011

O bom escritor



O bom escritor não diz mais do que pensa. E isso é muito importante. É sabido que o dizer não é apenas a expressão do pensamento, mas também sua realização. Do mesmo modo, o caminhar não é apenas a expressão do desejo de alcançar uma meta, mas também sua realização. Mas a natureza da realização - faça justiça à meta ou se perca, luxuriante e imprecisa, no desejo - depende do treinamento de quem está a caminho. Quanto mais mantiver a disciplina e evitar os movimentos supérfluos, desgastantes e oscilantes, tanto mais cada postura do corpo satisfará a si própria e tanto mais apropriada será sua atuação. Ao mau escritor ocorrem muitas coisas, e nisso se gasta tanto quanto o mau corredor não treinado nos movimentos indolentes e gesticulados dos músculos. Mas exatamente por isso nunca pode dizer sobriamente o que pensa. É dom do bom escritor, com seu estilo, conceder ao pensamento o espetáculo oferecido por um corpo gracioso e bem treinado. Nunca diz mais do que pensou. Por isso, o seu escrito não reverte em favor dele mesmo, mas daquilo que quer dizer.

Walter Benjamin (1892-1940). Rua de mão única. Obras escolhidas II.

segunda-feira, julho 11, 2011

Ganhar dinheiro...



Para me afirmar diante dos parentes apegados ao dinheiro, simulei a virtude um tanto ingênua do desprezo ao mesmo. Considerei-o como algo enfadonho, monótono, que não oferecia qualquer vantagem espiritual, e deixava cada vez mais secos e estéreis os que se entregavam a ele. Então, de repente, o vi por outro lado, um lado pavoroso - um demônio com açoite gigantesco, com o qual batia em todos, alcançando as pessoas em seus esconderijos mais secretos.

Elias Canetti (1905-1994), Uma luz em meu ouvido

quinta-feira, julho 07, 2011

O papel do escritor


Às vezes, tarde da noite, homens batiam à porta da farmácia ou da nossa residência, trazendo nos braços, ferido e sangrando, alguma vítima das brutalidades dos capangas do chefe político local ou alguém que fora 'lastimado' numa briga na Capoeira ou no Barro Preto. Lembro-me de que certa noite - eu teria uns quatorze anos, quando muito - encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam 'carneado'. Eu terminara de jantar e o que vi no relance inicial me deixou de estômago embrulhado. A primeira coisa que me chamou a atenção foi um polegar decepado, que se mantinha pendurado à mão esquerda da vítima apenas por um tendão. O ferimento mais horrível de todos era o talho, provavelmente de navalha, que rasgara uma das faces do caboclo duma comissura dos lábios até a orelha. Tinha-se a impressão de que o homem estava sorrindo de tudo aquilo. Seus olhos conservavam-se abertos e de sua boca não saía o menor gemido. Um golpe, provavelmente de adaga, lhe havia descolado parte do couro cabeludo. Pelo talho do ventre escapava-se a madrepérola viscosa dos intestinos. Foi essa a primeira vez na vida que senti de perto o cheiro de sangue e de carne humana dilacerada. Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, tavez pensando assim: se esse caboclo pode agüentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? Por incrível que pareça, o homem sobreviveu.
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.

Erico Verissimo (1905-1975). Solo de clarineta

quarta-feira, julho 06, 2011

Reflexão sobre a busca pela objetividade em Giddens



Na constituição da teoria da Estruturação de Anthony Giddens, há uma menção crítica às razões políticas e intelectuais que dissolveram o consenso acerca do modo de como a teoria social deveria ser abordada. O autor chama esse conglomerado de idéias de “consenso ortodoxo”, composto por três “ismos” que seriam o objetivismo, o naturalismo e o funcionalismo. Nesse sentido, Giddens pretende dirigir-se contra toda concepção de determinismo unilateral ou de teorias que dariam bem mais ênfase no papel das estruturas sociais em detrimento dos atores sociais. Para contrapor essas tendências, a análise centra-se no caráter ativo e reflexivo da conduta humana, com papel fundamental da linguagem e das faculdades cognitivas na explicação da vida social.
Ao contrário de Bourdieu, Giddens não se preocupa em estabelecer uma ruptura entre o pensamento do senso comum e o pensamento sociológico, na intenção de dar um caráter científico a este último. Não há uma busca para desvelar aquilo que estava oculto numa apreensão mais imediata, ou mesmo uma busca por parâmetros que tornem essa busca válida. Essa é a crítica que ele faz a sociologia, por esta ter se empenhado nas discussões sobre epistemologia, como nas teorias que compõem o “consenso ortodoxo”. Para o autor, então, a busca de generalização não é um fundamento para a sociologia e nem é sua finalidade. Essa proposta um tanto relativista, em que a vida comum das pessoas ganha destaque (entendimento comum) e em que as crenças são tratadas como formas de conhecimento, é parte de sua abordagem teórico-metodológico – próxima à etnometodologia e à hermenêutica.
Essa abordagem, em conjunto com a constatação de que a sociologia deve abandonar as reflexões epistemológicas e se fixar nos princípios ontológicos (caráter ontológico do fazer humano reflexivo), põe o sociólogo apenas como um interpretador das interpretações já feitas pelo entendimento comum. Em tal situação, o compromisso – tanto social como acadêmico – da sociologia perante a realidade fica muito comprometido. O caráter crítico da ciência, nessa situação, acaba se desprendendo da realidade objetiva e termina por se orientar numa disputa de argumentos teóricos que ficam somente restritos ao pequeno contexto em que foram inseridos (de acordo com as situações em que foi produzido), sem a pretensão de qualquer tipo de generalização.
De acordo com o exposto, penso que seja importante manter, pelo menos como norte, a busca pela objetividade e pela descoberta de generalizações. A sociologia, que já enfrentou grandes questões e foi terreno fértil de reflexões críticas sobre a sociedade, não pode ficar numa situação tão passiva e coadjuvante como é a intenção de Giddens.



Pequena reflexão feita sobre a teoria de Anthony Giddens. Escrita por Leonardo de Lucas S Domingues em 02/09/2008.

terça-feira, julho 05, 2011

Reflexão sobre a relação entre a essência e a revelação do oculto na perspectiva estrutural relacional de Bourdieu



Bourdieu (1930-2002) rompe com muitas premissas filosóficas, além de criticá-las quando presentes na sociologia (abraça teorias com métodos científicos de compreensão social). O autor pretende, então, retomar a trajetória de alguns clássicos do pensamento social no sentido de dar um caráter científico ao fazer sociológico. A intenção é afastar a sociologia da teoria teórica e de tudo aquilo que fique restrito ao campo da abstração pela abstração. Nesse sentido, na sua teoria científica não existe essência, nem substância. A história ou a realidade não pode ser revelada por um sujeito, como na filosofia do sujeito, tampouco se pensa numa concepção teleológica da história, como na filosofia da história.
Ao mesmo tempo, Bourdieu propõe uma ruptura epistemológica, delineando uma distinção entre o saber do senso comum e o saber científico. A sociologia, portanto, tem o papel e a contribuição de desvendar, desvelar a realidade, mostrar o que está oculto a uma apreensão imediata. Por esses traços, parece-nos que o autor, de alguma forma, retoma também a distinção entre essência e aparência.
No entanto, de acordo com sua teoria, o real não é somente passível de ser compreendido nem por ele mesmo (perspectiva objetivista), nem por meio do sujeito isolado, compreendendo tudo a partir de sua cabeça (subjetivismo). O autor adota, assim, uma perspectiva estruturalista relacional ao dizer que a sociologia não se faz possível somente com o conhecimento a partir da superfície, nem apenas por meio da explicação de sua estrutura fixa, mas que a tarefa do sociólogo é conhecer as estruturas das relações invisíveis, ou seja, desvendar os princípios de diferenciação social que moldam a estrutura das relações invisíveis (conhecer esse princípio numa perspectiva relacional).
Nesse contexto, para Bourdieu o que existe é uma ordem em relação. Há um princípio relacional de diferenciação social em que são adotadas novas estratégias de distinção. No interior do campo social, os agentes ocupam posições relativas em um espaço de relações invisíveis. O papel do sociólogo é encontrar o sistema dessas relações sociais, que não estão fixas na estrutura e nem são produto somente da cabeça do observador.
A perspectiva relacional de Bourdieu é antagônica à idéia de substância ou essência. Sua intenção, para instituir um caráter científico à sociologia, é superar a aparência (o senso comum), mas sem que essa atitude implique proposição essencialista rígida e inquestionável. É a partir desses pontos que o campo conceitual do autor deve ser entendido, ou seja, a idéia do real sendo relacional é central para sua compreensão teórica.

Pequena reflexão sobre a teoria de Pierre Bourdieu escrita por Leonardo de Lucas S Domingues em 05/08/2008

segunda-feira, julho 04, 2011

Estudar ciências sociais - II





Ciências Sociais é um daqueles cursos dos quais a leitura é um hábito indispensável. Gostando ou não, querendo ou não; o certo é que você vai se cansar de ler. No início isso pode ser muito tortuoso. As leituras são difíceis, os temas muitas vezes indecifráveis, assim como os termos e o linguajar próprios. Os professores irão lhe ensinar métodos de leituras, dicas, meios para você sistematizar as informações em fichas e em blocos de notas. Essa uma parte da qual terá muito que pensar a respeito. Ler, como eu disse, é quase tudo nessa ciência. As palavras são as nossas substâncias que serão manipuladas em nossos laboratórios metodológicos para tornarem-se textos, reflexões, críticas... e por aí vai.


Apesar dos pesares, decifrar as teorias é muito prazeroso. É lógico que irá encontrar matérias que não o agradam, temas que não tem nada a ver com suas pesquisas ou intenções futuras, mas isso não o impede de aproveitar o mínimo possível e mentalmente necessário dessa experiência insólita. Ao longo dos anos, dificilmente irá se manter o mesmo. Certamente o estudante do início do curso não se confunde com o que se forma. E tal mutação não se dá só por uma questão Heraclitana do fluir do rio ou de alguma outra coisa parecida. Não há naturalidade nesse processo (aliás, o natural, como verá, não existe na sociedade). Essa graduação o fará pensar e repensar muitas coisas: certezas se reduzirão a pó em pouco tempo e um novo leque de possibilidades se abrirá diante de seus olhos. A leitura sobre as teorias será a bagagem fundamental a ser utilizada nessa viagem sem destino fixo ou provável.

Ao longo do curso você encontrará a melhor forma para ler e organizar as leituras. Quanto a isso, não esquente, esse é mais um daqueles que problemas que só se resolvem à medida que tenta resolvê-los. O importante é ler, e mais do que isso, é essencial fazer leituras críticas. Não se importe em gastar o tempo que for necessário para entender um trabalho intelectual. Sua confecção pode ter demorado anos ou, às vezes, até décadas. Por isso, tente utilizar dicionários (de todos os tipos) como suporte, e não se furte em utilizá-los ao máximo possível. Não tenha preguiça de procurar entender as palavras que não conhece ou que não compreende o significado. Grife em seu texto, escreva do lado. Faça marcações ou qualquer coisa que chame a atenção. Faça um dicionário só seu. Pegue um caderno pequeno e coloque nele os termos que mais utiliza (pode dividir os termos sociológicos dos da língua portuguesa, por exemplo). Anote as palavras que não conhece, faça uma lista desses novos nomes (isso enriquecerá seu vocabulário). Enfim, é importante que, mesmo que a leitura não tenha nenhum propósito prático/objetivo, você não perca o que leu ou não desperdice o tempo que foi gasto a leitura.

No começo, tudo parecerá estranho. Os textos muitas vezes são mesmo indecifráveis, frutos de uma escrita hieroglífica. Esse é um outro ponto que quero abordar depois: os textos de ciências sociais (me incluo nisso) são de uma gramática mal colocada e específica, difíceis de entender, herméticos aos não-iniciados. Somando-se a isso, provavelmente você vai começar fazendo disciplinas muito diferentes entre si, lendo livros com séculos de distância uns dos outros. Vai ser uma salada de compreensões e de reflexões. Nesse ponto, a melhor saída é recorrer à filosofia. Para estudar ciências sociais é preciso ter alguma base sobre as correntes do pensamento filosófico. Um bom dicionário de filosofia também pode ajudar e muito (tenha, também, algum livro geral sobre as teorias filosóficas).

sexta-feira, julho 01, 2011

Pensar?!!



A repressão assume a forma da liberdade. A violência contra o pensamento não se manifesta mais como proibição de pensar, mas como liberdade de pensar o que, nas condições atuais de condicionamento invisível, significa a liberdade de pensar o que todos pensam.

Sérgio Paulo Rouanet (1934- )