quinta-feira, julho 21, 2011

Wissenschaft als Beruf (1917/1919)

Sem dúvida nenhuma, o progresso é um fragmnento, o mais importante, do processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios e relativamente ao qual algumas pessoas adotam, atualmente, posição estranhamente negativa.
 Inicialmente, tentemos perceber com clareza o que significa, na prática, essa racionalização intelectualista que devemos à ciência e à técnica científica. Acaso, significará que todos os que estão reunidos nesta sala possuem, no que se refere às respectivas condições de vida, conhecimento superior ao que um índio ou um hotentote poderiam alcançar a respeito de suas próprias condições de vida? É pouco provável. Dentre nós, aquele que entra num trem não tem noção alguma do mecanismo que permite que permite ao veículo pôr-se em marcha - exceto se for um físico de profissão. De outra feita, não temos necessidade de conhecer aquele mecanismo. É suficiente poder "contar" com o trem e orientar, consequentemente, nosso comportamento. Não sabemos, todavia, como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. Contrariamente, o selvagem conhece, de modo incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu seria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas economistas, porventura presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a mesma quantia de dinheiro, ora se possa adquirir grande porção de coisas e ora uma porção mínima? No entanto, o selvagem sabe perfeitamente como agir para obter o alimento diário e conhece os meios capazes de favorecê-lo em seu propósito. A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente a respeito das condições em que vivemos. Antes, significam que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, conquanto que o quiséssemos, provar que não existe, primordialmente, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida. Em outras palavras, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Isso é o mesmo que despojar de magia o mundo. Não se trata para nós, como para o selvagem que acredita na existência daqueles poderes, de apelar a métodos mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Essa é a essência da significação de intelectualização.
Daí surge uma nova pergunta: realizado ao longo dos milênios da civilização ocidental e, em termos mais gerais, esse processo de desencantamento, esse "progresso" do qual participa a ciência, como elemento e motor, tem significação que ultrapasse essa pura prática e essa pura técnica? Mereceu exposição vigorosa na obra de Leon Tolstói essa questão. Por via que lhe é própria, Tolstói a tal questão chegou. Todas as suas meditações cristalizaram-se crescentemente em torno do seguinte tema: a morte é ou não é um acontecimento que encerra sentido? Sua resposta é a de que, para um homem civilizado, não existe tal sentido. Obviamente não pode existir porque a vida individual do civilizado navega no "progresso" e no infinito e, consoante seu sentido imanente, essa vida não deveria ter fim. Por certo, há sempre possibilidade de novo progresso para aquele que vive no progresso. Dos que morrem, nenhum chega jamais a atingir o cimo, já que o cimo se encontra no infinito. Abraão ou os camponeses do passado morreram "velhos e plenos de vida", pois que estavam instalados no ciclo orgânico da vida, porque esta lhes havia reservado, ao fim de seus dias, todo o sentido que podia proporcionar-lhes e porque não subsistia enigma que eles ainda teriam desejado resolver. Portanto, podiam considerar-se plenos com a vida. Contrariamente, o homem civilizado, posto em meio ao caminhar de uma civilização que se enriquece continuamente de pensamentos, de experiências e de problemas, pode sentir-se "cansado" da vida, mas não "pleno" dela. Certamente, jamais ele pode apossar-se senão de uma parte diminuta do que a vida do espírito incessantemente produz. Ele pode captar apenas o provisório e jamais o definitivo. Em virtude disso, a seus olhos a morte não faz sentido, também a vida do civilizado não o faz, já que a "progressividade" sem significação faz da vida um acontecimento igualmente sem significação. Nas últimas obras de Tolstói, por toda parte encontra-se esse pensamento, que dá estilo à sua arte. 
Max Weber (1864-1920). Ciência como vocação.

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