domingo, julho 17, 2011

Fazer Ciências Sociais - III

Mudança. Talvez essa seja uma das marcas indeléveis de alguém que passa pelo processo de graduação em ciências sociais. Falo de mudança porque, na realidade, há um mudar em diversos sentidos. Mesmo para os alunos que não tenham lá tanta simpatia com o curso ou que estejam mais interessados somente no diploma irão ser provocados a saírem do lugar. Isso acontece principalmente se você passa a viver numa cidade universitária distante de sua família. Todo esse ambiente de novidade estimula ainda mais a necessária desconexão com o mundo diário dos problemas corriqueiros. Ainda que tenha de trabalhar para se manter nessa nova morada, como boa parte dos alunos acaba fazendo, isso não vai alterar sua jornada de reconstrução do mundo social que o cerca (e que sempre passa despercebido) por meio das diversas orientações teóricas. Talvez tal fato até potencialize seu distanciamento crítico em relação ao emaranhado de relações entre pessoas e coisas que se pulverizam numa apreensão imediata do cotidiano. O certo é que, de uma maneira ou de outra, independente de sua origem social, de seu credo e todas as outras coisas que nos distinguem/diferenciam uns dos outros, a despeito disso tudo, você vai repensar sua vida; vai questionar seu mundo; vai parar, nem que for por alguns instantes, para pensar sobre coisas que, por circunstancias das mais diversas (e que irá estudar sobre elas), dificilmente pensaria.
Não há nenhum mistério em tudo o que eu disse. A vida universitária por si só já representa uma etapa de transformação. É um momento inédito na vida de muita gente. Muitos estão longe de casa pela primeira vez, tendo que se virar com uma série de detalhes que muitas vezes não são percebidos no dia-a-dia de uma casa familiar (limpeza, comida, dinheiro...). Parece pouco, mas só esse pequeno detalhe já desorganiza a vida de muita gente. Alguns ficarão pelo caminho unicamente por não conseguirem se habituar a manter uma rotina nesse universo pretensamente livre (festas, bares, ausência de controle mais rígido quanto às faltas e às notas baixas, entre outros). Mas, não há com o que se preocupar, a maioria dos alunos estará no mesmo barco; será, de certa forma, a mesma experiência para todos; descobertas muito parecidas. É lógico que cada um terá o seu modo de vivenciá-la. Alguns viverão essas mudanças de modo extremamente intenso, outros já irão percorrer o caminho com moderação. Mas imagine-se, tudo será novo. Por isso é tão interessante estudar em uma cidade distante da sua de origem. Também é importante escolher uma universidade (com muitos cursos diferentes; esse contato com grupos distintos é fundamental).
No que diz respeito especificamente ao curso de ciências sociais, as mudanças incluem não só o contato com novas visões de mundo, mas, também, a conexão com uma miríade de formas de vida alternativa. Se sua sala for realmente representativa nesses quesitos (uma genuína classe de ciências sociais), prepare-se para tomar contato com vegetarianos, hinduístas, budistas, rastafaris, feministas, crentes, anarquistas, naturebas e bichos-do-mato de toda espécie. Por vezes, alguns mudam de uma para outra, transformam-se, convertem-se...é uma loucura. Em paralelo às mudanças de rotas, uma série de crises se sucederá, uma atrás a outra: existenciais, psicológicas, religiosas, financeiras.... Não há quem não passe por elas (a que trata da existência material será, certamente, a mais problemática).
Muitas dúvidas surgirão. Se elas decorrerem das reflexões em sala ou mesmo das leituras, alguma serventia intelectual tais dúvidas terão. Todo questionamento o levará ao movimento. Não há nada mais básico em um trabalho de reflexão. Não importa o quanto isso vá contra seus próprios pensamentos ou convicções, duvide, questione, problematize. O conforto no campo das idéias não é para os que lidam com os problemas do pensamento (muito menos para os que refletem sobre a realidade). Criticar parece ser uma resposta simples para problemas complexos. Não é bem assim. A crítica é um elemento fundamental nesse processo (assim como a autocrítica). Lembre-se que os pensamentos só servem para fazê-lo pensar, nada mais. Não cultue os pensamentos; não se fixe em idéias, principalmente as que abstratamente (no campo lógico) parecem perfeitas. Pense agindo concretamente, transformando sua realidade.
Desde o primeiro momento na graduação, tente abarcar em suas inquietações o máximo de referenciais distintos. Leia sobre tudo. Converse muito com professores de matérias diametralmente opostas. Procure saber, já no primeiro ano, quais os projetos desenvolvidos nas pesquisas do corpo docente. Mergulhe no erro. Teste suas afinidades teóricas. Discuta. Quando sentir que as idéias não saem de certo limite de segurança, provoque-as, remova obstáculos; jogue os pensamentos contra si mesmos. A realidade não vai até onde se estende a racionalidade lógica de meros conceitos abstratos.
Se for instigado a pensar, fará do mundo uma grande experiência criativa. Verá que a mudança que se materializa em você se expressa antes na realidade que o cerca. Esse movimento o levará a investigar sobre o que está inscrito no universo social que nos rodeia. Por trás de explicações supostamente óbvias sobre cada coisa que existe no mundo, apreenderá o jogo contraditório das relações que constituem esse agora antagônico mundo.

Nenhum comentário: