quarta-feira, fevereiro 16, 2005

uma idéia

Cesar Cardoso

- Eu tenho uma idéia. Vamos fazer um país, mas um país novo, partindo do zero. Bota aí uns 200 milhões de pessoas.
- Tá doido, é muita gente!
- Mas é pra ser muita gente mesmo.
- Mas é gente demais, não é, não?
- Tá bom, 180 milhões e não se fala mais nisso.
- Sei não. Vem cá, pra começar, como é que você vai arranjar trabalho pra essa gente toda?
- Não vai ter.
- Ué, não?
- Não. E é bom que não tenha. Tendo mais gente que trabalho você paga pouco a quem trabalha.
- Visto por esse ângulo... Mas eles vão trabalhar em quê?
- Nas empresas, é claro.
- Claro? Pra mim tá é escuro. Bota aí metade deles trabalhando, já são 90 milhões. Como que você vai fazer empresa pra essa gente toda?
- Nós não vamos fazer empresa nenhuma.
- Ué, não?
- Não. Vamos trazer as empresas de fora, que já estão prontas.
- E a troco de que elas vão topar vir pra cá?
- A troco não, a dinheiro graúdo, o dinheiro que eles vão economizar pagando muito pouquinho aos 90 milhões.
- Bom, visto por esse ângulo...
- Além do monte de matéria-prima novinha em folha que a gente vai dar pra eles.
- A gente vai dar?
- Dar é modo de dizer. Mas vai.
- Vem cá, você não acha que os 90 milhões que trabalham e ganham miséria vão acabar chiando?
- Acho.
- E fica por isso mesmo?
- Claro que não. A gente pega 2 milhões deles e faz eles ficarem milionários, com um vidão de primeiro mundo pra nenhum botar defeito.
- Você é doido! Os outros vão morrer de inveja!
- Lógico, a idéia é essa.
- Ué, não entendi.
- A inveja é a filha mais nova e mais gostosa do desejo.
- E daí?
- Daí a gente bola uns anúncios dizendo, melhor, prometendo que esse desejo está ao alcance de qualquer um.
- E eles vão acreditar?
- E quem é que não acredita num anúncio bem-feito, com calda escorrendo e a mulher mais linda dizendo que você é o tal? Hein? Hein?
- Bom, visto por esse ângulo... Mas e os outros 90 milhões que nem ganhar pouco ganham?
- O que que tem esses 90 milhões?
- Ah, esses não vão acreditar nem em anúncio bem-feito.
- Claro que acreditam, esses aí são muito mais fáceis de enganar. Eles nem foram à escola!
- Não?
- Claro que não. Se não tem emprego pra eles, pra que vai ter escola?
- Mas é tão bacana ir à escola!
- E você acha bacana ter 90 milhões de pessoas espertas, esclarecidas e sem nada pra fazer?
- É, não é uma boa idéia, não. Mas eu acho que mesmo assim eles vão aprontar.
- Vão, com certeza vão. Tem gente que vai roubar, tem gente que vai matar.
- E aí?
- Aí a gente diz que a culpa é deles. Se tem 90 milhões que estudam e se matam pra ter um pouquinhozinho de dignidade por que os outros 90 milhões são desempregados? Porque não querem nada com o batente.
- Mas eles não têm emprego nem que queiram.
- Mas, se você contar isso pra eles, meu amigo, eu sinto muito mas vou te prender e te chamar de terrorista.
- Aí já sei, mesmo eu sendo teu melhor amigo, você acaba com a minha raça.
- Eu? Não toco em um fio de cabelo seu. Deixo você fugir e anuncio que o terrorista perigoso, uma ameaça às famílias, está solto!
- Pô, eles vão querer me matar!
- Mas eu sou teu amigo, e não deixo eles te matarem. Assim esse joguinho não termina nunca.
- Mas a gente estava falando dos 90 milhões de desempregados.
- Que desempregado! Não vai ter desemprego no nosso país.
- Como não?
- Ta na cara, eles só são desempregados porque não querem trabalhar, o que faz com que eles deixem imediatamente de ser desempregados e passem a ser vagabundos. E não vão ser todos.
- Como é que você sabe que não vão?
- Essa é fácil. Religião.
- O que que a religião tem a ver com isso?
- É uma receita. Pegue um desocupado e encha a cabeça dele de religião, cria logo umas três ou quatro pra eles disputarem qual é a melhor. Além de obedientes, eles não vão pensar em fazer besteira.
- Será que não?
- Vai por mim, pra criar obedientes, a religião é melhor que o quartel. E quem não seguir uma religião qualquer nem for empregado só pode ser um marginal. E marginal, a ciência já provou que é um problema de nascença ou de código genético, área do cérebro, algo assim.
- Eu não sabia. Que ciência provou isso?
- A que a gente quiser. Afinal, quem é que vai pagar os cientistas?
- Bom, visto por esse ângulo...
- E aí, gostou da minha idéia?
- Sei não, você tem sempre idéias mirabolantes. Acho que esse troço não vai dar certo. Como é o nome dessa idéia?
- O nome? Eu pensei em Brasil.
- Brasil? Daonde você tirou isso?
- Sei lá. Acho que li em algum lugar e ficou na minha cabeça. Brasil.
- Bra-sil, não sei. Eu prefiro Zimbábue. É mais sonoro, tem mais ritmo, Zim...bá...bue!
- E por que não Nepal?
- Ih, mas você cismou com esses nomes curtinhos terminados em l...

Nenhum comentário: