domingo, fevereiro 27, 2005

Bibliotecas cheias e sociedade carente


falta incentivo

Por ROSIMERI FERRAZ SABINO
Ao final de cada semestre centenas e centenas de estudantes passam pelo “doloroso” e dispendioso processo de elaboração dos seus trabalhos de conclusão de curso. Sob o pretexto de capacitar o futuro profissional para a pesquisa no seu campo de atuação, estes trabalhos avolumam as prateleiras das bibliotecas universitárias, mantêm professores orientadores e um mercado recheado de profissionais de editoração eletrônica.
Esta pseuda ação didática, que culmina no trabalho final para a graduação, acompanha os acadêmicos durante todo a sua trajetória universitária, pois os docentes solicitam textos e mais textos como requisitos à aprovação em suas disciplinas. Aos estudantes resta uma cansativa busca de teorias apresentadas conforme normas da ABNT. E isto repete-se a cada matéria cursada. Ao final do semestre estes trabalhos juntam-se a coleção de “teorias repetidas” que o aluno encadernou nos semestres anteriores.
Neste processo, o ensino superior restringe-se a capacitar o aluno a mera produção de trabalhos. Os assuntos que poderiam ser alvo de debates em sala de aula, ganham apenas um estudo sobre o que já se falou a respeito dele.
Seria louvável essa exigência para a conclusão do curso se tais trabalhos realmente revertessem em algum benefício para a sociedade. Isto sim, deveria ser o objetivo principal da averiguação da competência do aluno em relação aos conteúdos que lhe foram repassados nos bancos universitários.
A exemplo dos privilegiados estudiosos da Grécia Antiga, a sociedade deveria receber um efetivo retorno do seu investimento na educação. Naquela civilização as teorias dos intelectuais buscavam não só o engrandecimento da cultura de seu povo, mas também recebiam a prática de pensamentos que colaborassem na organização social.
No sistema educacional vigente a “formatura” é vista pela grande maioria dos estudantes como um “alívio”. É o fim de uma tortura financeira para os mais carentes ou um passaporte (para os ingênuos mais abastados) para o mercado de trabalho.
Há, ainda, os que acabam por se tornarem “estudantes profissionais” . Estes passam pelo trabalho de conclusão e buscam as oportunidades nos mestrados, e após, nos doutorados. Obviamente que entre estes estarão, na sua quase totalidade, os que tiveram o acesso a um ensino mais aprimorado e dispuseram de tempo para pesquisas, pois as seleções para os cursos de pós-graduação exigem um currículo acadêmico de produções inatingíveis por estudantes que passaram seus dias trabalhando para custear os seus estudos. Claro que encontraremos algumas raras exceções, porém a um preço de esforço e determinação quase sobre-humano.
E o desperdício continua... Quantas dissertações e teses conhecemos que realmente contribuíram para alguma melhoria na nossa cidade, estado, país...? Mas alguém pagou por isto. Fomos nós. Os nossos impostos também servem para custear o ensino público superior. Quantas pessoas talentosas conhecemos que, se tivessem a oportunidade de se aproximar desse universo cultural desenvolveriam trabalhos para a sociedade? No entanto os pretendentes a bolsas deste tipo de ensino, na grande maioria, cumprem a sua jornada acadêmica, e após, beneficiam-se individualmente disto. Talvez não por vontade própria, mas por falta de exigência do próprio sistema de ensino.
Os pesquisadores que ajudamos a formar encontram as melhores ofertas de trabalho no exterior. E, como ele se vê em um mercado de mão-única – as empresas exigem o máximo e oferecem o mínimo – busca oportunidades que lhe retribuam o quanto estudou. E lá se vai o nosso pesquisador e todo o investimento que fizemos nele... Mas a sua tese ficou por aqui: devidamente teorizada, digitada, encadernada em alguma prateleira de biblioteca universitária.
O nosso país necessita de soluções para todas as áreas: social, financeira, política... Não seria mais inteligente aproveitar o potencial dos nossos pesquisadores? Os projetos acadêmicos não poderiam ser feitos a partir de propostas da própria sociedade? Afinal, é ela que sabe as áreas de maior carência de estudos “in loco” .
As teorias educacionais defendem que o conhecimento é constituído na e pela interação do sujeito-objeto, via mediação social. Ou seja, o indivíduo deve interagir com o que estuda para obter um real desenvolvimento.
Tal conclusão só vem a corroborar a importância de aproximarmos nossos estudantes de projetos que possam ter resultados realmente mensuráveis. Desta forma, além de estarmos colaborando para o crescimento dos próprios pesquisadores, estaremos retornando à sociedade um conhecimento que ela ajudou a construir.
Esse verdadeiro “exército” de acadêmicos deveriam ser agrupados, em disposição nacional ou estadual, para pesquisas correlatas aos seus estudos que efetivamente viessem a contribuir para os problemas da sociedade. Se a união faz a força porque insistimos em fragmentar? Quem ganha com isso? Talvez a resposta esteja em dirigentes que buscam a manutenção de um sistema arcaico e carente de reestudo. Os debates sobre o ensino estão aí para comprovar isso e “pipocam” por todo o país. De Piaget a Gardner teóricos são estudados para se obter o melhor método para formar o indivíduo e a sua consciência crítica. Mas como estamos aproveitando essas teorias? Formamos indivíduos capazes e reflexivos - ou ao menos acreditamos formar – e, após, ignoramos o seu potencial. A sociedade brasileira não pode se dar a esse luxo.
E ainda corremos o risco de transformar essa dinâmina em um círculo vicioso: formamos educadores que também têm que desenvolver trabalhos exigidos para o permanente aperfeiçoamento imposto pelas instituições de ensino. Estes mesmos educadores serão orientadores dos trabalhos dos futuros docentes. A prática da pesquisa torna-se o cumprimento de um requisito, sem a preocupação da efetiva utilidade dela para a sociedade. E aí formou-se o círculo: o orientador conceitua a pesquisa, o aluno é aprovado e multiplica essa cultura aos seus futuros orientandos.
É evidente a importância das pesquisas no contexto universitário para a construção e atualização do conhecimento, mas também é mister posicionar a pesquisa e a construção do saber diante dos desafios que se apresentam na realidade atual. Todos estamos cientes da necessidade de conhecermos experiências anteriores para elaborarmos de maneira mais eficiente o nosso presente. Nortearmo-nos por ações, estudos e análises evitará que incorramos nos erros cometidos por nossos antecessores. No entanto, o que acontece atualmente é a mera representação textual dessas experiências. Este é um fator que urge de inclusão nos debates educacionais.
Que bom seria se nesses debates a educação fosse vista como algo importante a qualquer ser humano e não como artigo de luxo. Que bom seria se estudantes que lutam tanto para a sua graduação tivessem o seu diploma valorizado. Que bom seria se todos fossem conscientes da importância do acesso à pesquisa, mas com resultados práticos. Caso contrário, estamos fadados a um ensino em massa, formador de meros repetidores sem o exercício do pensar. Uma civilização que não incorpora o conhecimento dos seus estudiosos poderá se deparar com um desenvolvimento estagnado. Conhecimento não exteriorizado torna-se inútil.
No entanto, se esse for o motivo pelo qual insistimos neste sistema de ensino, seria mais honesto assumirmos a política das castas. Ao menos não estaríamos distribuindo a ilusão de que, algum dia, com muito esforço, poderíamos nos tornar algo melhor e maior do que somos, morreríamos na mesma condição em que nascemos. (tirado do Espaço Acadêmico)

Nenhum comentário: