sexta-feira, junho 24, 2011

Estudar ciências sociais – I

"E depois de estrangular o último burocrata nas tripas do último sociólogo, ainda teremos problemas?" (pichação em um muro) Maio de 1968, Paris.



De repente você está lá com os seus 17/18 anos e se depara com a decisão crucial sobre o futuro de sua vida: qual curso superior escolher? E aí, sabe-se lá por que cargas d’água, razões, decisões, motivações você escolhe fazer o quê? Ciências Sociais.... Bom, talvez já tenha alguma inclinação para a coisa desde pequeno ou talvez acabe entrando nessa por não se enquadrar em nenhuma das outras categorias disponíveis. A questão é que não se sabe muito bem por que raios alguém escolhe fazer uma graduação dessas.
Lembro-me vagamente daquelas aulas iniciais, em que os professores sempre querem saber ou ter uma idéia sobre qual vento levou o aluno calouro até ali. Ainda bem que recalquei boa parte das falas proferidas. Uma garota chegou a dizer que tinha feito a tal escolha por uma mera e passageira associação entre um ex-presidente e sua formação de sociólogo. “Ah é, ele é sociólogo. Humm... Legal. Também quero ser”. Pois é, creio que é melhor pular essa parte. Mas é exatamente isso o que acontece. Há um quase completo desconhecimento sobre todo o universo que gravita em torno das ciências sociais.
Hoje ainda até existem mais recursos (cibernéticos) e informações para se ter uma noção prévia do que é entrar nesse mundo. Com a internet encontramos textos e mais textos, livros digitalizados, vídeos, páginas eletrônicas dos cursos de graduação e de pós... Tudo isso pode ajudar. Ah, e atualmente tem também a inserção da Sociologia como matéria obrigatória no ensino médio.
É claro que tudo isso ajuda, mas o certo é que você só vai saber mesmo o que é fazer ciências sociais quando já estiver fazendo. Tal fato não é nenhuma anomalia, se comparado aos outros cursos. Poderia listar uma centena de opções, e todas em todas elas a história é a mesma: há uma surpresa com a escolha tão bem pensada. Não se desanime, pode ainda ser pior. Talvez, só depois de terminada a tão sonhada e planejada graduação é que você vai perceber o que aquela escolha realmente significou para seu futuro. E aí, esse aí, pode ser um grande problema. Por enquanto, fiquemos com a nossa introdução ao mundo ciências sociais.
Você fez seu ensino médio e viu que só as matérias de humanas lhe interessavam. História, filosofia e sociologia eram os seus pontos altos no boletim. Você se vê como uma pessoa engajada, interessada nos destinos do mundo; parece que a maioria de seus outros amigos não consegue ao menos entender os verdadeiros problemas humanos que você levanta em conversas e bate-papos. É, meu caro, você já deve ter defendido os palestinos, os tibetanos, os cubanos, os indígenas, os haitianos, os sem-terra, os sem-teto, os animais em extinção... Certamente participou de passeatas e de todo tipo de manifestação. Talvez já tenha visto filmes-cabeça, dos quais mais ninguém gosta. Geralmente esse tipo de contexto e trajetória de vida, mais outros tantos elementos não destacados aqui é que levam alguém a escolher as sociais.
Essa não é uma condição necessária. Fora esse lado mais politizado, há também aqueles que, por várias razões, têm uma inclinação para um viver chamado de alternativo. Aí, aqui entram roqueiros, hippies, punks, straight edge, poetas e malucos de toda estirpe. Em qualquer universidade de médio ou grande porte, é possível notar que os alunos de ciências sociais são tidos como os mais estranhos e recebem nomes muito carinhosos da ‘comunidade’ universitária: os ‘bicho-grilo’, os ‘pé-sujo’... Há sempre alguém com dreadlocks, um outro com uma barba imensa...camisetas do Raul e adereços diversos adornam a alteridade do grupo.
O que em cursos como design gráfico, comunicação, jornalismo, marketing e propaganda é visto muitas vezes como uma demanda de mercado, o “ser alternativo” (ter estilo despojado, criativo...), lá nas sociais é uma realidade não-fabricada (com seu grau de autenticidade que o afasta da gravitação mercadológica). Talvez nenhum outro curso o coloque tão próximo da diversidade. Por trás de cada uma dessas pessoas existe uma complexa teia de relações aos submundos da cultura não-convencional. Vozes díspares e antagônicas vão querer falar, e você vai aprender a conviver com elas, a ouvi-las e a interagir com elas.


Depois de todas essas etapas, você quer saber, afinal, que curso é esse? O que ele representa? Qual a atuação das pessoas que passam por esse tipo de formação? Calma, a história é longa. Até você entender o que é um cientista social vai tempo (o que faz, então, demora mais ainda, risos). Na certa, até lá você já vai ter passado por boas crises existenciais ou até por experiências bizarras, mas isso fica para depois (para outro capítulo). O interessante é que você vai se deparar, em algum momento dessa empreitada, com célebres perguntas: até que ponto suporta seguir? É realmente intelectual o bastante para ser um acadêmico? Quais opções existem sem ser a vida universitária? Faz o curso para ser cientista ou para ser político? Trabalhar pela causa ou ser professor? Dinheiro...dinheiro...dinheiro....
Vai perceber que tudo aquilo que demora a compreender, vai ser ainda mais complicado para explicar aos outros, principalmente aos que o rodeiam. Se, para descobrir a diferença entre serviço social e ciências sociais bastam algumas semanas, para todo o resto leva quase a totalidade de uma existência. Enfim, essa não é uma tarefa fácil. Descobrir o universo que representa esse curso de graduação leva muito mais do que seus quatro anos de duração. Por isso, vou trazer para essas linhas um pouco do que consegui entender; farei um pequeno manual de introdução à vida de um cientista social em formação. Isso pode servir para alguma coisa. Sei lá, você é que me diz.... Diante de minhas próprias dificuldades, resolvi escrever alguma coisa para auxiliar quem estiver prestes a fazer essa escolha.
Espero continuar escrevendo sobre isso. Não são conselhos, são somente notas marginais sobre a impressão que tive ao passar por essa experiência.

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