sexta-feira, agosto 03, 2007

Aliterações frias e cadentes

É muito estranha a sensação de escrever atualmente. Muitos não vão concordar comigo, mas existe algo de sombrio quando temos de enfrentar esse pálido complexo de plástico e micro-chips.
Há menos de vinte anos esse “estranho no nino” causa perplexidade. Como pode, um objeto tão insípido causar tanta transformação? De um dia para o outro tomou conta das casas, dos hospitais, das indústrias, das escolas, dos mercados e ainda vai invadir muitos outros ambientes. O que existe de tão especial nesse ente que ainda está adquirindo forma? Os profetas adoram esse mistério, as fábricas de dinheiro não ficam para trás. Não é somente um atavio indigesto, mas também uma miraculosa e mística “caixa mágica”, pela qual confidenciamos as mais pedantes e sórdidas intimidades. Seria a mais pura banalização da vida ou, o meio mais sensato de construir cultura? O que nossos vinte e cinco séculos de cultura diriam? Como se comportariam os grandes escritores de séculos atrás ao acordarem diante de tal objeto? Certamente nunca acreditariam que é a partir dele que nos comunicamos e trocamos informações. É plástico. Será que isso ajuda? Mais parece um instrumento de hospital, como aqueles que ajudam pacientes muito debilitados a viver. Lembra-se do “desliguem os aparelhos e deixem-no morrer em paz”? Pois é, a impressão que me toca é essa. E esse barulho estranho que sai da caixa? Muito mistério. É por aí que seres místicos conduzem nossas vidas. Silenciosamente, sem dar um só tiro ou uma ordem, sempre estamos aqui a apertar os botões. Diante de tudo o que nos é ofertado fica muito difícil resistir. É o pleno deleite. Quanta novidade, quantas horas a fio sem fazer outra coisa, a não ser, apertar os botões. Tem alguma dúvida enquanto escreve? Dê uma olhada no Wikipédia, está tudo lá. Para que procurar mais? Quer um dicionário?
Uma professora uma vez me contou o insólito episódio que sua filha protagonizou em frente ao computador. A escola pediu para que ela fizesse uma pesquisa sobre deuses gregos. E onde fazemos pesquisa atualmente? Pois então, a menina pôs-se a digitar. E onde iria procurar? No Google, é lógico! E qual foi o resultado? Ao invés de Afrodite, Atena e Eros, saíram os galãs de novelas em fotos sensuais.
O que mais pesa nessa história é que ela se passou com uma criança que ainda não dispõe de meios adequados para absorver esse tipo de coisa. Em outros tempos, nem tão distantes assim, quando a professora pedia uma pesquisa sobre qualquer assunto fazia-se necessária a presença em uma biblioteca para se interar do assunto. Quando percorremos essa trajetória temos um contato mais mediado entre as teorias e o mundo. É muito raro alguém entrar numa biblioteca procurando algo em específico e se contentar com aquilo. Lá, cada assunto remete a outro e, desta forma, as pessoas vão construindo redes de aprendizado. Não é fácil encontrar em meio a tantos livros alguma coisa específica sobre racismo, por exemplo. Para encontra-la terá de resgatar muitos outros assuntos pelo caminho, de modo que isso não se processa na busca pela internet. Neste meio tudo segue o instrumentalismo calculista; faz-se pesquisa pelo número e pelo formato dos caracteres das palavras. É seco e direto, sem metáforas, sem ambigüidades, sem contradições; ou é 0 ou é 1. O meio segue a produtividade, a economia de recursos e o maior retorno no menor tempo. Aí, é isso que dá. É só apertar botões.
As gerações mais novas estão perdendo o contato com a escrita feita à mão. É muito mais fácil decorar os caracteres prontos. Não há porque ter de contar historinhas para dizer como o “a” surgiu e que ele é uma casinha. Qualquer criança, por mais nova que seja, sabe que é o apertar de botão que faz como que surja a letra, tão simples quanto pegar um carimbo e sair imprimindo sua marca pelo mundo. Mesmo sem ter consciência daquilo, sem sentir-se pertencente, sem ter muito sentido humano, as crianças vão apreendendo, e de forma rápida, o que é mais importante.
Há um bom tempo vi uma reportagem dizer que o programa mais visto no canal Telecine era aquele que tinha uma grafia próxima da utilizada na internet pelos jovens: Naum, vc, kara, e outros são as palavras mais recorrentes. É impressionante! Perdoem-me os antropólogos que poderiam dizer que isso é uma re-significação e que tudo é cultura. Sinceramente, é uma re-significação escatológica. Temos de estreitar as relações entre cultura e capitalismo, e perceber como este último prejudica tanto o primeiro. Ou então, vamos todos fazer um culto a exacerbação do produtivismo e esperar até quando isso pode se suportar. Mas, enquanto isso e até que a morte nos separe, vamos mantendo nossa vocação de autômatos anônimos. Afinal, como para a máquina?
Não sei.
Sigo uma estranha e soturna voz que insiste em me cobrar:
Aperte os botões!!!

2 comentários:

Tathiana Guimarães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tathiana Guimarães disse...

Oooo meu querido Leo !!!

COmo é sempre bom ler seus textos.
Por coinscidencia ou não, estava em uma discussão ferenha com minha irmã sobre essa vulgarizaçao do conhecimento e sua relaçao pragmatica. Sobre a complexidade e a logica mercadologica que esta estamos reproduzindo, na qual estamos constantemente submetidos...
É meu caro. AS aguas opostas as vezes parecem tao fortes que me perco nos supostos extremismos de minhas críticas..
E quando encontro pessoas como vc, vejo que conter a correnteza, é realmente remar contra ela !

Saudades grandooonas de vc !!!

Viva o blog !! hehehee
Temos que trabalhar no nosso.

Beijos