Sem nada para postar, sem saco para escrever...coloco então um pequeno texto que escrevi com o Fernando. Uma análise do filme
Laranja Mecânica com elementos de psicologia, mas sem deixar pitadas de crítica sociológica.
Discussão sobre o filme Laranja Mecânica à luz da Psicologia ComportamentalA discussão não remete apenas em fazer algum tipo de sinopse do filme, ela parte de alguns elementos colocados na obra cinematográfica que são de suma importância para compreendermos o Behaviorismo e analisarmos a sua relevância e eficácia em práticas de controle social. Estas são maneiras das quais nos condicionam (seja individualmente, ou coletivamente) a termos comportamentos socialmente concebidos sendo impostos de uma forma ideológica, cultural e opressora. Temos que nos portar de certa maneira, de modo que passemos por despercebidos pelos olhos minuciosos da coerção comportamental. Para a proteção das “anomalias” sociais subversivas o Estado conta com o monopólio do aparelho repressivo e a própria sociedade se encarrega, em alguns casos, de manter o controle social. O filme em questão é considerado um clássico por abordar estas questões universais e abrir um leque para várias leituras das mais distintas áreas.
O mais interessante é perceber que cada vez mais o homem quer vigiar (condicionar, dominar) o outro, visto que hoje estão disseminadas ações a fim de minimizar os direitos individuais (privacidade) e, se por lado estamos ficando cada vez mais individualistas, por outro estamos expondo toda nossa individualidade aos interesses do capital e da “segurança” mundial. Tornando o comportamento individual tão admirável como a face de Narciso.

O universo de Laranja Mecânica é atualíssimo, pois reflete a realidade de nossos centros urbanos repletos de gangues, cada qual com suas gírias, seus delitos violentos e o total desprezo por valores tradicionais. Respeito, solidariedade e cooperação não são as suas bandeiras. É uma realidade que reflete a ausência de controle sobre o comportamento dos jovens nos dias de hoje: as instituições sociais (família, igreja e escola) não os absorvem, deixando-os à mercê de suas orientações comportamentais primitivas, seus instintos mais agressivos e egoístas.
Numa de suas investidas, o bando comete um homicídio, o que leva o líder Alex para uma casa de detenção e, dali, para um programa de reeducação coordenado por um político astuto. O programa visa afastar o jovem de tudo aquilo que até então o excitava (sexo e violência) e consiste em obrigá-lo a assistir a cenas em que esses conteúdos estão presentes. A reação de Alex, ao invés de ser de alegria, é de profundo mal-estar, uma vez que os reeducadores o mantém sob o efeito de drogas que provocam náuseas e vômitos.
O fundamento desse programa é a teoria do condicionamento, elaborada pelo fisiologista russo I. Pavlov, no início do século XX, e desenvolvida mais tarde por J. B. Watson e B. Skinner, psicólogos norte-americanos que criaram o paradigma comportamentalista na Psicologia. Estímulos agradáveis (no caso de Alex, sexo e violência) são associados a respostas desagradáveis, como as que são induzidas no organismo do rapaz pelos fármacos. As imagens e a reação física associam-se de tal maneira que mais tarde, mesmo sem a ação das drogas, Alex irá sentir-se mal sempre que presenciar atos de conotação violenta e ou sexual.

Em Laranja Mecânica temos um excelente exemplo de como utilizar certos conhecimentos da Psicologia para o exercício do controle social. No filme, os cientistas reeducadores aplicam a punição que o espectador, de um modo geral, almeja desde os momentos iniciais do espetáculo. Talvez pudéssemos fazer o mesmo com todos os delinqüentes que assombram as noites das nossas cidades. Destruiríamos seu ímpeto agressivo e garantiríamos a tranqüilidade das famílias e dos mais fracos, preservando a ordem social. Esta seria uma visão reducionista de um problema social em que a origem se dá nas contradições entre as classes sociais e na relação trabalho X capital. Mas, de toda forma, ela não deixaria de ter um efeito imediato ao problema da violência urbana que tanto tira o sono da nossa classe média.
Alex passa a sentir náuseas também ao ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven, música pela qual nutria verdadeira adoração. Por mero acaso, as cenas detestáveis que Alex foi obrigado a assistir durante o processo de condicionamento eram embaladas pela Nona de Beethoven. A repugnância física ficou associada não apenas a sexo violento e violência gratuita, mas também a um dos tesouros de nossa cultura.
O social queria o rapaz punido sim, mas recuperado, reintegrado à sociedade. Quem sabe ele poderia conhecer uma boa moça, casar-se, ter filhos, um emprego... Pois é esse o destino de Alex sugerido no livro que deu origem ao filme. O rapaz, que sobrevive ao atentado contra a própria vida e fica livre do condicionamento a que fora submetido, observa um casal de namorados e almeja ser como eles, um dia, ter uma vida normal. Podemos interpretar esse final como uma mensagem de Burguess sobre a história que nos conta: as atitudes de Alex e sua gang não passavam de loucuras da adolescência, agora superada. A Laranja Mecânica de Burguess seria portanto não uma crítica à desordem social que impede os jovens de terem melhor perspectiva de vida, mas uma história sobre a natural transição da adolescência para a maturidade.

Mas não é esse o final dado por Kubrick. O diretor interrompe a narrativa de Burguess no momento em que Alex, em recuperação no hospital, recebe a visita do político astucioso que comandou a experiência de condicionamento com o intuito de utilizá-la para fins eleitorais, como se fosse a solução para a violência imperante na sociedade. Dada a repercussão negativa do caso diante da opinião pública, o político propõe então que Alex aceite tornar-se seu garoto-propaganda. Abraçado ao político, o rapaz acena para os jornalistas, sorri de modo sarcástico enquanto tem um devaneio: imagina-se fazendo sexo com uma mulher em um cenário paradisíaco, cercado de nuvens tênues, emoldurado por gentlemens e ladies que o admiram. Percebe que está curado, mas seu sorriso hipócrita nos diz que no fundo ele continua o mesmo, capaz de cometer as mesmas atrocidades, apenas que agora o fará de modo a ser aceito nos ambientes mais sofisticados da sociedade.

Não dá para se afirmar que o destino do protagonista em questão dependeria tão-somente dos fatores condicionantes organizados em torno dele. Sua reeducação só se deu de uma forma aparente e falsa, nas suas concepções internas o jovem ainda acreditava nas mesmas coisas e tinha os mesmos sentimentos. No campo dos experimentos com animais podemos dizer que a psicologia comportamental é bem eficaz, no entanto, não há como afirmar a mesma coisa em meio à diversidade humana. Esta é uma forma de mutilar nossa alteridade e nossa criatividade, deixando-nos sem defesa e abrindo o caminho para a manutenção do controle na mão dos grupos detentores do poder.