quinta-feira, maio 12, 2005

PsicoClockwork

Sem nada para postar, sem saco para escrever...coloco então um pequeno texto que escrevi com o Fernando. Uma análise do filme Laranja Mecânica com elementos de psicologia, mas sem deixar pitadas de crítica sociológica.

Discussão sobre o filme Laranja Mecânica à luz da Psicologia Comportamental

A discussão não remete apenas em fazer algum tipo de sinopse do filme, ela parte de alguns elementos colocados na obra cinematográfica que são de suma importância para compreendermos o Behaviorismo e analisarmos a sua relevância e eficácia em práticas de controle social. Estas são maneiras das quais nos condicionam (seja individualmente, ou coletivamente) a termos comportamentos socialmente concebidos sendo impostos de uma forma ideológica, cultural e opressora. Temos que nos portar de certa maneira, de modo que passemos por despercebidos pelos olhos minuciosos da coerção comportamental. Para a proteção das “anomalias” sociais subversivas o Estado conta com o monopólio do aparelho repressivo e a própria sociedade se encarrega, em alguns casos, de manter o controle social. O filme em questão é considerado um clássico por abordar estas questões universais e abrir um leque para várias leituras das mais distintas áreas.
O mais interessante é perceber que cada vez mais o homem quer vigiar (condicionar, dominar) o outro, visto que hoje estão disseminadas ações a fim de minimizar os direitos individuais (privacidade) e, se por lado estamos ficando cada vez mais individualistas, por outro estamos expondo toda nossa individualidade aos interesses do capital e da “segurança” mundial. Tornando o comportamento individual tão admirável como a face de Narciso.

O universo de Laranja Mecânica é atualíssimo, pois reflete a realidade de nossos centros urbanos repletos de gangues, cada qual com suas gírias, seus delitos violentos e o total desprezo por valores tradicionais. Respeito, solidariedade e cooperação não são as suas bandeiras. É uma realidade que reflete a ausência de controle sobre o comportamento dos jovens nos dias de hoje: as instituições sociais (família, igreja e escola) não os absorvem, deixando-os à mercê de suas orientações comportamentais primitivas, seus instintos mais agressivos e egoístas.
Numa de suas investidas, o bando comete um homicídio, o que leva o líder Alex para uma casa de detenção e, dali, para um programa de reeducação coordenado por um político astuto. O programa visa afastar o jovem de tudo aquilo que até então o excitava (sexo e violência) e consiste em obrigá-lo a assistir a cenas em que esses conteúdos estão presentes. A reação de Alex, ao invés de ser de alegria, é de profundo mal-estar, uma vez que os reeducadores o mantém sob o efeito de drogas que provocam náuseas e vômitos.
O fundamento desse programa é a teoria do condicionamento, elaborada pelo fisiologista russo I. Pavlov, no início do século XX, e desenvolvida mais tarde por J. B. Watson e B. Skinner, psicólogos norte-americanos que criaram o paradigma comportamentalista na Psicologia. Estímulos agradáveis (no caso de Alex, sexo e violência) são associados a respostas desagradáveis, como as que são induzidas no organismo do rapaz pelos fármacos. As imagens e a reação física associam-se de tal maneira que mais tarde, mesmo sem a ação das drogas, Alex irá sentir-se mal sempre que presenciar atos de conotação violenta e ou sexual.

Em Laranja Mecânica temos um excelente exemplo de como utilizar certos conhecimentos da Psicologia para o exercício do controle social. No filme, os cientistas reeducadores aplicam a punição que o espectador, de um modo geral, almeja desde os momentos iniciais do espetáculo. Talvez pudéssemos fazer o mesmo com todos os delinqüentes que assombram as noites das nossas cidades. Destruiríamos seu ímpeto agressivo e garantiríamos a tranqüilidade das famílias e dos mais fracos, preservando a ordem social. Esta seria uma visão reducionista de um problema social em que a origem se dá nas contradições entre as classes sociais e na relação trabalho X capital. Mas, de toda forma, ela não deixaria de ter um efeito imediato ao problema da violência urbana que tanto tira o sono da nossa classe média.
Alex passa a sentir náuseas também ao ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven, música pela qual nutria verdadeira adoração. Por mero acaso, as cenas detestáveis que Alex foi obrigado a assistir durante o processo de condicionamento eram embaladas pela Nona de Beethoven. A repugnância física ficou associada não apenas a sexo violento e violência gratuita, mas também a um dos tesouros de nossa cultura.
O social queria o rapaz punido sim, mas recuperado, reintegrado à sociedade. Quem sabe ele poderia conhecer uma boa moça, casar-se, ter filhos, um emprego... Pois é esse o destino de Alex sugerido no livro que deu origem ao filme. O rapaz, que sobrevive ao atentado contra a própria vida e fica livre do condicionamento a que fora submetido, observa um casal de namorados e almeja ser como eles, um dia, ter uma vida normal. Podemos interpretar esse final como uma mensagem de Burguess sobre a história que nos conta: as atitudes de Alex e sua gang não passavam de loucuras da adolescência, agora superada. A Laranja Mecânica de Burguess seria portanto não uma crítica à desordem social que impede os jovens de terem melhor perspectiva de vida, mas uma história sobre a natural transição da adolescência para a maturidade.

Mas não é esse o final dado por Kubrick. O diretor interrompe a narrativa de Burguess no momento em que Alex, em recuperação no hospital, recebe a visita do político astucioso que comandou a experiência de condicionamento com o intuito de utilizá-la para fins eleitorais, como se fosse a solução para a violência imperante na sociedade. Dada a repercussão negativa do caso diante da opinião pública, o político propõe então que Alex aceite tornar-se seu garoto-propaganda. Abraçado ao político, o rapaz acena para os jornalistas, sorri de modo sarcástico enquanto tem um devaneio: imagina-se fazendo sexo com uma mulher em um cenário paradisíaco, cercado de nuvens tênues, emoldurado por gentlemens e ladies que o admiram. Percebe que está curado, mas seu sorriso hipócrita nos diz que no fundo ele continua o mesmo, capaz de cometer as mesmas atrocidades, apenas que agora o fará de modo a ser aceito nos ambientes mais sofisticados da sociedade.

Não dá para se afirmar que o destino do protagonista em questão dependeria tão-somente dos fatores condicionantes organizados em torno dele. Sua reeducação só se deu de uma forma aparente e falsa, nas suas concepções internas o jovem ainda acreditava nas mesmas coisas e tinha os mesmos sentimentos. No campo dos experimentos com animais podemos dizer que a psicologia comportamental é bem eficaz, no entanto, não há como afirmar a mesma coisa em meio à diversidade humana. Esta é uma forma de mutilar nossa alteridade e nossa criatividade, deixando-nos sem defesa e abrindo o caminho para a manutenção do controle na mão dos grupos detentores do poder.

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