terça-feira, abril 17, 2007

Qual a atualidade em Adorno?

O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. Os automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todo e chega o momento em que seu elemento nivelador mostra sua força na própria injustiça à qual servia”.
Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento

Na dedicatória de Minima Moralia, livro escrito entre o período de 1944 até 1947, Adorno (1993) propõe uma compreensão partindo de “reflexões a partir da vida danificada”, de um mundo fragmentado em que houve a “dissolução do sujeito”, no qual o todo se tornou reificado e o indivíduo foi reduzido ao caráter de coisa, meio, objeto, instrumento, um “acessório de maquinaria” ocultado da verdade de que “não há mais vida” (ADORNO, 1993, p.7). A dura constatação do filósofo frankfurtiano reflete uma vida cada vez mais empobrecida dos indivíduos em experiências coletivas e em promover relações mais humanas. A vida fácil, segura e agradável que se origina com os acúmulos técnicos dos avanços tecnológicos provém e é sustentada pela base desigual das relações de produção, na qual muitos são submetidos a uma vida penosa e sacrificante “desce[ndo] até o nível de mercadoria, e de miserabilíssima mercadoria” (MARX, 2004, p.110) para a benesse de alguns poucos[1]. O indivíduo vira coisa porque “ele não é o seu trabalho, mas o de outro” (MARX, 2204, p.114) e, desse modo, “a vida revela-se simplesmente como meio de vida” (MARX, 2004, p.116, grifo do autor). Nesse mundo, podemos verificar que não só os homens viraram mercadoria, como tudo que deles provêm[2], até mesmo as idéias (ADORNO, 1970a, p.180).
Adorno averiguou, então, que este era um mundo onde todas as mediações do homem estavam pautadas em relações de troca, em relações de consumo, as quais seriam reguladas pela ganância do mercado. “Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma de troca, então a racionalidade desta constitui os homens; o que estes são para si mesmos, o que pretendem ser, é secundário” (ADORNO, 1970b, p.147). O importante é fomentar a valorização do capital, portanto, a ninguém ocorre que poderiam existir tarefas que não se deixassem expressar no valor de troca (ADORNO, 1993, p.171). “Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens” (MARX, 2004, p.111, grifos do autor), ou seja, a técnica não é só usada como uma útil ferramenta na produção de bens, como também, uma mais útil ainda forma de manipulação e de dominação dos anseios humanos. Há implicações extremamente importantes nesses apontamentos que direcionam para uma vida cada vez mais mecânica e homogênea.
É a partir dessa verificação que Adorno chega à conclusão de que “no interior da sociedade coisificada, nada tem chance de sobreviver que por sua vez não seja coisificado” (ADORNO, 2005a, p.116). Assim sendo, “o sujeito retraído sobre si, separado de seu outro por um abismo, é incapaz de ação” (ADORNO, 1970a, p.160). Sem ação devido ao seu pouco grau de união com os outros e sem reflexão e compreensão à altura das contradições imanentes a uma realidade cada vez mais complexa, o homem agora se vê numa desilusão permanente no interior da ordem capitalista.

Não só o espírito se orienta segundo a sua venalidade mercadológica e, com isso, reproduz as categorias sociais preponderantes, mas se assemelha, objetivamente, ao status quo, mesmo onde, subjetivamente, não se converteu em mercadoria. As malhas do tecido social vão sendo atadas cada vez mais de acordo com o modelo de ato de troca. Permite à consciência individual cada vez menos espaço de manobra, passa a preformá-la de um modo cada vez mais radical, como que lhe cortando, a priori, a possibilidade da diferença, que passa a se reduzir à mera nuance dentro da homogeneidade da oferta (ADORNO, 1986, p.78).




Nesta sociedade, partindo do pressuposto da relação de troca capitalista empreendida pela moeda, os indivíduos são forçados a manter relações que não denotam qualquer caráter eminentemente humano. Trata-se de relações frias, impessoais, muitas vezes mediadas por máquinas (MARCUSE, 1999, p.81; ADORNO, 1970c, p.92). Desse modo, as pessoas podem viver nesta sociedade sem ter qualquer obrigação com o próximo, sem qualquer companheirismo, ou mesmo, sem qualquer dever para com o coletivo. “O homem médio dificilmente se importa com outro ser vivo com a intensidade e persistência que demonstra por seu automóvel” (MARCUSE, 1999, p.81). No entanto, os direitos à posse e a uma competição desleal são mantidos e assegurados por uma cortina ideológica que escamoteia as desigualdades das relações de produção da vida material.
[1] “Se a sua atividade constitui para ele um martírio, tem de ser fonte de deleite e de prazer para outro” (MARX, 2004, p.119).
[2] “O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria” (MARX, 2004, p.111).

Trecho de um trabalho meu: O Desenvolvimento Paradoxal do Progresso e a Hipertrofia da Razão Instrumental

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