segunda-feira, junho 18, 2007

O Pensamento


Crer que a verdade de uma teoria é a mesma coisa que sua fecundidade é um erro. Muitas pessoas parecem, no entanto, admitir o contrário disso. Elas acham que a teoria tem tão pouca necessidade de encontrar aplicação no pensamento, que ela deveria antes dispensá-lo pura e simplesmente. Elas interpretam toda declaração equivocadamente no sentido de uma definitiva profissão de fé, imperativo ou tabu. Elas querem submeter-se à Idéia como se fora um Deus, ou atacá-la como se fora um ídolo. O que lhes falta, em face dela, é a liberdade. Mas é próprio da verdade o fato de que participamos dela enquanto sujeitos ativos. Uma pessoa pode ouvir frases que são em si mesmas verdadeiras, mas só perceberá sua verdade na medida em que está pensando e continua a pensar, ao ouvi-las.

Hoje em dia, esse fetichismo exprime-se sob a forma drástica. Pedem-se prestações de contas pelo pensamento expresso, como se ele fosse a própria práxis. Justamente por isso toda palavra é intolerável: não apenas a palavra que pretende atingir o poder, mas também a palavra que se move tateando, experimentando, jogando com a possibilidade do erro. Mas: não estar pronto e acabado e saber que não está é o traço característico daquele pensamento e precisamente daquele pensamento com o qual vale a pena morrer. A proposição segundo a qual a verdade é o todo revela-se idêntica à proposição contrária, segundo a qual ela só existe em cada caso como parte. Dentre as desculpas que os intelectuais encontraram para os carrascos - e, na última década, eles não ficaram de braços cruzados com relação a isso - a mais deplorável é a desculpa de que o pensamento da vítima, responsável por seu assassinato, fora um erro.


ADORNO, Th; HORKHEIMER, M. O Pensamento. In: ______. Dialética do Esclarecimento. tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

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