quarta-feira, novembro 23, 2011

Depressão, business e a monotonia do tempo

Analisar o aumento significativo das depressões como sintoma do mal-estar social no século XXI significa dizer que o sofrimento dos depressivos funciona como sinal de alarme contra aquilo que faz água na grande nau da sociedade maniáca em que vivemos. Que muitas vezes as simples manifestações de tristeza sejam entendidas (e medicadas) como depressões graves só faz confirmar essa ideia. A tristeza, os desânimos, os simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado.
Do direito à saúde e à alegria passamos à obrigação de ser felizes, escreve Danièle Silvestre. A tristeza é vista como uma deformidade, um defeito moral, "cuja redução química é confiada ao médico ou ao psi". Ao patologizar a tristeza, perde-se um importante saber sobre a dor de viver. Aos que sofreram o abalo de uma morte importante, de uma doença, de um acidente grave, a medicalização da tristeza ou do luto rouba ao sujeito o tempo necessário para superar o abalo e construir novas referências, e até mesmo outras formas de vida, mais compatíveis com a perda ou com a eventual incapacitação.
(...)
Em muitos debates de que tenho participado, colegas psiquiatras têm apontado um elemento importante que pode falsear os números sobre o aumento das depressões nos países industrializados: as novas estratégias de venda dos laboratórios farmacêuticos já não se limitam à divulgação dos remédios lançados no mercado. A ênfase dos panfletos distribuídos nos consultórios de médicos e psiquiatras recai sobre os novos critérios de diagnóstico das depressões, de modo a incluir um número crescente de manifestações de tristeza, luto, irritabilidade e outras expressões de conflito subjetivo entre os "transtornos" indicativos de depressão a serem tratados por emprego de medicamentos.
Assistimos, assim, a uma patologização generalizada da vida subjetiva, sujo efeito paradoxal é a produção de um horizonte cada vez mais depressivo. Embora o aperfeiçoamento das novas medicações ofereça um auxílio precioso ao analista no tratamento das depressões, a psicanálise não pode nem deve ser excluída dessa abordagem. Onde quer que se encontre o sujeito, encolhido pela depressão, é lá que o analista deve ir buscar a expressão significante de seu sofrimento. Não importa quanto ele demore até ter vontade ou forças para dirigir a palavra ao analista. O projeto pseudocientífico de subtrair o sujeito - sujeito de desejo, de conflito, de dor, de falta - a fim de proporcionar ao cliente uma vida sem perturbações acaba por produzir exatamente o contrário: vidas vazias de sentido, de criatividade e de valor. Vidas em que a exclusão medicamentosa das expressões da dor de viver acaba por inibir, ou tornar supérflua, a riqueza do trabalho psíquico - o único capaz de tornar suportável e conferir algum sentido à dor inevitável diante da finitude, do desamparo, da solidão humana.
"a maior parte dos lucros da indústria farmacêutica depende de uns poucos remédios para os quais sempre se buscam novos usos. Se tais novos usos não surgem por meio de experimentos, recorre-se à publicidade de certos males - ou seja, a convencer as massas de que alguns estados de ânimo são, na verdade, doenças que requerem tratamento. O objetivo é criar demanda espontânea pela cura milagrosa que a empresa pode oferecer" (Frederick Crews)
À aparente eficiência dos tratamentos medicamentosos soma-se a paixão pela segurança que caracteriza a sociedade contemporânea, para a qual a ideia de que a vida seja um percurso pontuado por riscos inevitáveis produz uma espécie de escândalo. A aliança entre os ideais de precisão científica e de eficiência econômica produz uma versão fantasiosa da vida humana como um investimento no mercado de futuros, cujo sentido depende de se conseguir garantir, de antemão, os ganhos que tal investimento deverá render.
Maria Rita Kehl. O tempo e o cão.

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