quinta-feira, outubro 13, 2005

As imagens da ciência



"De cada ida ao cinema, apesar de todo o cuidado e atenção,saio mais estúpido e pior."
Theodor Adorno - Minima Moralia

Já faz parte da mitologia do cinema o relato do pânico dos primeiros espectadores diante das imagens de "A Chegada de um Trem à Estação". Ninguém então seria capaz de dimensionar a fantástica transformação que o cinematógrafo representaria para o imaginário visual e simbólico do novo século. "A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica", concebida por Walter Benjamin em meados de 1930, já identifica as novas atitudes do público, realizadores e atores, transformados pelo progresso técnico e estético da invenção que se transforma em arte. O filósofo ainda apostava no potencial revolucionário das técnicas de reprodução, vendo o cinema como a típica manifestação artística do novo homem e suas formas de percepção modificadas no mundo moderno.

O "medium" seria um instrumento fundamental na tarefa da politização da arte, confirmando a perda da aura, que inseria as formas estéticas anteriores no âmbito da tradição, do culto. A práxis tomaria este lugar: esse era o caminho para combater o fascismo, cuja estratégia consistia em estetizar a política e a guerra. O conceito ainda paradigmático de aura escapou à lógica de Benjamin, mostrando-se capaz não só de sobreviver ao choque provocado pelas modernas técnicas de reprodução, como cristalizando-se exatamente dentro deste novo espaço. A obra de arte burguesa cederia seu lugar, conforme apontaram Theodor Adorno e Max Horkheimer na "Dialética do Esclarecimento", não à arte politizada pelo comunismo, mas aos produtos de uma onipresente indústria cultural.



Estas são algumas reflexões de alguns autores que leio muito ultimamente. Estou preparando meu TCC e ele vai falar justamente deste fenômeno salientado por Adorno e Horkheimer, a Indústria Cultural. É nela que meus esforços intelectuais vão estar fixados a partir de agora. Alguma coisa aconteceu neste capitalismo que cerceou a crítica, a reflexão, a ação revolucionária e que criou uma cúpula de isolamento em nossas cabeças. Isolamento em todos os sentidos; estamos isolados uns dos outros e, ao mesmo tempo, de nós mesmos. Esta é uma pretensa fase do mundo na qual nos iludimos em acreditar que ela é o fim da história; que não há nada mais a se conquistar a não ser direitos e demandas pessoais. A dominação agora se dá, além do plano capital X trabalho, no plano do inconsciente; manipulam nossas vontades; o fetiche ao qual Marx fala, no primeiro capítulo do Capital, nunca esteve tão em evidência. Em nenhuma outra sociedade se alimentar ou o ato de fazer sexo tornaram-se coisas tão banais. Hoje saciamos nossa fome com uma coxinha de um real, “qualquer um” mata a fome de calorias pelas mais grotescas “bombas” de gordura, e também, “qualquer um” faz um sexozinho na hora que bem entender, seja por telefone, seja pela interner, pela mão, por filme pornô, seja pela novela... Estas não são questões que centralizam os embates sociais, mas também não podemos deixar de analisá-las. Entretanto, a base material ainda persiste e o materialismo histórico é a chave para descobrimos a história humana. A indústria cultural, junto com tudo que ela representa, seria mais um complemento as formas de dominação burguesas do capital; ela integra, manipula e seduz. No entanto, não será desta vez que irei falar mais detalhadamente sobre estas questões, até porque elas ainda estão bem embrionárias. Agora vou falar um pouco sobre o meu gosto sobre documentários.

Há muito tempo quero escrever sobre documentários, até pensava em fazer deste tema meu objeto de estudos acadêmicos. Penso que o vídeo usa de recursos que “fogem” aos da própria escrita. Abusa de uma linguagem que não é comum, e nem poderia ser, na academia. Além de ser um texto - um documento, um registro - o filme documentado é, acima de tudo, uma mensagem. Esta, na sua complexidade, é regida de diversos signos e códigos que, por sua vez, podem adquirir os mais diversos significados e, cabe ao espectador decifrá-los.

Pra mim não há dúvidas de que o documentário é uma grande fonte de investigação e pesquisa. Além disso, um documentário bem feito tem toda a metodologia de um texto científico, todavia ele não chega à mesma objetividade do mesmo. O vídeo pode até propor isso, no entanto, sua apresentação, por mais maravilhosa que seja, não chega aos pés da minúcia reflexiva de um texto acadêmico. A câmera tem que ser usada como um elemento a mais, um anexo para deixar o leitor próximo à realidade transmitida pelo cientista social.

Os sistemas audiovisuais são aqui considerados em sua totalidade semiótica, ou seja, enquanto aparatos e enquanto linguagem. E, por tratarem de fenômenos cinematográficos (registro do movimento), em um sentido mais amplo, busquei em algum tipo de teoria cinematográfica alguns pontos de vista que pudessem dar o suporte necessário para o desenvolvimento dessa fundamentação teórica (até dá pra botar fé na minha literatura, mas não se enganem, ela é pura violência simbólica, puro arbitrário cultural!).



Todavia, o que se encontrei, foi uma tendência de se considerar qualquer tipo de manifestação audiovisual, como uma forma de manipulação de linguagem exercida pelo autor (ou autores) do discurso; que sempre mascararia uma possível ligação com a realidade. Desta colocação eu tratarei mais adiante. Eu aprecio muito este tipo de visão, apesar de estar todo o texto defendendo o uso dos documentários. As leituras que faço sobre os frankfurtianos me ajudaram a pensar criticamente esta relação do documentário: dominação X emancipação. Apesar de até agora eu não ter lido nada em específico que sinalize a opinião deles sobre o assunto já deu pra perceber pela citação de Adorno qual seria o comentário dele sobre essa minha inquietação. É claro que o documentário não emancipa ninguém, mas também ele não é só dominação.
Para transpor uma certa objetividade o documento visual preconiza uma certa neutralidade para com aquilo que aborda. Este fato, ao meu ver, não passa de uma abstração romântica de nossas cabeças, já que o documentário, como qualquer outro recurso, tem uma certa processualidade em torno de sua construção que é feita e dirigida de acordo com os interesses de quem o produziu. Mas, nem por isso, este recurso pode ser descartado, isto seria levar ao limite as considerações sobre o discurso neutro e a verdade. Se fossemos pensar assim não poderíamos acreditar em nada, pois tudo o que lemos, vemos e tocamos passou na mão de um “outro” antes da chegar na nossa ou, por outras palavras, nós não lemos ou aprendemos as coisas como elas são, mas sim como os “outros” querem que elas sejam. Esta é uma discussão muito engraçada e conspiratória, se construíssemos o mundo a partir deste pensamento poderíamos provocar o caos histórico no qual nada seria levado a sério. O mundo poderia ser implodido pela especulação dos fatos, seria o fim do comportamento dogmático. Mas, não podemos nos esquecer que atrás de toda ação existe um posicionamento político e é importantíssimo levar o engajamento para dentro da universidade. Nossos pensamentos podem ser os mais transgressores possíveis, podem desconstruir os mais sólidos dogmas, entretanto, se não levamos a cabo essas idéias, se não praticamos e não conduzimos na práxis não há porque fazer ciência. Mesmo o pensamento mais progressista se não posto em movimento vira a mais conservadora contemplação deste mundo. E temos que pensar na luta de classes como carro chefe desta práxis (essa parte é pra você André).

Segundo a enciclopédia Wikipédia o documentário “é um gênero cinematográfico que se caracteriza pelo compromisso com a exploração da realidade. Mas dessa afirmativa não se deve deduzir que ele represente a realidade tal como ela é. O documentário, assim como a ficção, é uma representação parcial e subjetiva da realidade.” O cinema documentário pode ser considerado como uma fonte de pesquisa e ensino da história? Sim, mas esse gênero cinematográfico pode, também, significar para realizadores, estudiosos e espectadores uma prova da "verdade", uma vez que trabalha diretamente com imagens extraídas da realidade. É comum se imaginar o filme documentário como a expressão legítima do real ou se crer que ele está mais próximo da verdade e da realidade do que os filmes de ficção. Poderíamos nos lembrar do Kozik – ou de outros marxistas dialéticos - quando ele diz que temos que apreender a realidade tal qual ela é, e não como nós pensamos que ela seja. Temos que fugir do mundo da pseudoconcreticidade. Todavia, no documentário a verdade não é o conhecimento do objeto no momento concreto, nem tampouco é a apreensão das contradições internas. O campo da verdade no documentário tem que passar por um processo mais imediato de reflexão, um baixo grau de mediação, no entanto, volto a frisar, nem por isso podemos descartar este imprescindível documento histórico. Só que de que forma vamos incorporara este recurso na academia? Como o documentário pode ser tratado cientificamente?

Por enquanto não há muitas respostas sobre este tema. Talvez seja hora agora de trabalhar melhor tudo o que foi escrito. Não vou desenvolver mais nada, por enquanto. Como pensar o documentário de forma dialética? É esta a inquietação que quero guardar disso tudo. Pensar dialeticamente implica em pensar as contradições deste discussão, e do próprio objeto em si. Agora você me perdoem mas eu vou durmir...foi muito para uma noite só.

2 comentários:

Anônimo disse...

Léo ficou muito bom! Está começando a enxerga as classes!

ass: André Ferro

Tathiana Guimarães disse...

É Leo, pensando na possibilidade de raciocinarmos dialeticamente, antes de emitirmos os sons que proparagram nossa opinião , e que por fim, para mante-la continuamos a descontruir e construi-la constantemente, buscando a maximização de suas conexções internas... Não tem como negar que, a analise de documentarios seria uma grande instrumento para uma das curas da ciência transtornada q vivemos.
Seres humanos conscientemente ou incoscientemente POLITICOS !!!
Não vejo como teoria da conspiração, mas como um fato q deve ser explorado para compreensão desse mundo "aparentemente" caotico!
Complexo do complexo né Leo ??
O Ary sentiria orgulho do "garoto" que ele criou rsrsr
Beijos e manda bala q esse assunto é quente!!!